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A partida de figuras referenciais da nossa democracia, exemplos em extinção da ponderação e ênfase dos valores partilhados em comunidade, liberdade e inteligência, deveria ser aproveitada para honrar o seu legado, à altura da mágoa provocada pelo desaparecimento físico mas sem toldar o carácter e a diferenciação de percursos que devem ser sublinhados com traço histórico, tornando evidente a percepção de tantas figurinhas trágico-cómicas que acabaram por ocupar os seus lugares no desempenho de papeis idênticos na comunicação social e na justiça. Tanto aqui como na sua dimensão política, o país vai sentir a falta de homens como Francisco Pinto Balsemão e Laborinho Lúcio.
O insustentável peso da degradação política do reino só não exige a imposição de um rei porque há novas hipóteses de consanguinidade mesmo na República. Com as eleições presidenciais a inundarem o espectro político próximo, as escolhas são um-homem-um-voto, mas perfilam-se como objectos de referenciação evidente onde parte das hipóteses mais fortes se situa fora do campo da leitura política que se espera do desempenho das funções de um presidente da República.
A falta de agitação partidária à volta das candidaturas é dramática. A toxicidade que os partidos aportam aos candidatos presidenciais é um espelho-tragédia do lugar a que chegámos na nossa democracia. Nunca os candidatos foram tão unipessoais e tão premeditadamente afastados das bases onde cresceram politicamente. Parece haver uma cerca sanitária aos partidos. Depois, que ninguém se admire que os portugueses pensem que os partidos têm lepra.
As referências não são brilhantes para muitos. Este é o tempo em que tantos se orgulham mais da proximidade presente a Trump, Orbán ou Milei do que do legado do passado de Soares, Sampaio ou Eanes. O revisionismo histórico, sob a capa do anonimato, comandado pela ditadura do algoritmo das redes sociais, actua com ligeireza e com uma eficácia atroz. Também por essa necessidade de regulação e sentido de equilíbrio, façamos do legado dos homens que partem uma inspiradora presença e permanente alerta.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia

