Para quando uma nova Liga?
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Para quem, como eu, tem uma paixão pelo desporto, o fim de semana é de zapping. O gozo de saltar entre canais desportivos só é mesmo superado por uma ida ao terreno de jogo, onde tudo se sente à flor da pele. O futebol, regra geral, é rei e, nos dias de hoje, queremos seguir as incidências dos vários campeonatos, sobretudo quando estão em ação protagonistas portugueses. Na última sexta-feira dei comigo a comutar entre um Valência-Málaga e um Académica-Setúbal que, de novo, me trouxeram a certeza de que a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) está gravemente doente.
A cena é simples, mas chocante. A um arrepiante estádio Mestalla, abarrotado por 41 550 espectadores, contrapunha-se, à distância de uma tecla do meu comando, um triste estádio EPAFEL, pontuado por uns escassos 3003 resistentes. No primeiro, sentia-se a atmosfera vibrante no campo, nos bancos e em todas as componentes do negócio. No segundo, que mais parecia um jogo à porta fechada, percebiam-se uma triste normalidade e a quase ausência de negócio.
Com ou sem predominância económica, não vejo como possível a manutenção de uma qualquer atividade da nossa vida em sociedade, numa base regular, sem que para tal se estabeleça um modelo de sustentabilidade. Assim é para coisas tão distintas como uma empresa, uma universidade, uma região ou um indivíduo. E também para uma liga de futebol profissional, que é aqui o motivo da minha preocupação. O futebol português, enquanto sistema, não tem hoje qualquer projeto de futuro. Está decapitado na liderança, nas ideias, no financiamento e na promoção. Vive apenas da excelência desportiva de uns poucos clubes, menos que os dedos de uma mão, que, contudo, estão mais focados no seu sucesso imediato do que na sustentabilidade do sistema.
Os últimos atos do caso das eleições para a LPFP indiciam que tudo vai continuar no pântano. Entre rejeição de candidaturas (Rui Alves e Fernando Seara) e admissão de recandidatura (Mário Figueiredo), tudo parece ter tido uma legalidade duvidosa, ao ponto do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol ter declarada nula a eleição. Haverá, portanto, repetição do ato eleitoral. Ou seja, uma Liga que esteve, está e ainda continuará sem rei nem roque.
O problema da LPFP é, antes de mais, de qualidade dos pretendentes e, depois, de assunção de responsabilidade por parte dos mais importantes clubes.
Quanto aos pretendentes, percebe-se que as expectativas de alguns dos que tanto fizeram para empurrar Mário Figueiredo passavam por ocupar a sua cadeira, mesmo que para isso tivessem de saltar à pressa dos respetivos clubes. Outros perderam-se entre acordos e contra-acordos, ao ponto do mesmo candidato entregar na Liga duas candidaturas. De nada disto precisa o futebol português. Necessita, isso sim, de uma visão e de uma equipa de gestores que desenhe para a indústria do futebol um modelo de negócio sustentável e que o implemente com a cumplicidade e participação dos clubes. Mas a verdade é que os programas apresentados pelos candidatos ao último ato eleitoral, o tal que foi anulado, são desoladores. Promessas iguais às do passado, justamente aquelas que esvaziaram os estádios e fizeram falir a LPFP.
Existem hoje fontes de financiamento, aproveitando os fundos europeus, que podem ser utilizadas num grande projeto de reposicionamento da indústria portuguesa do futebol, aliás à imagem do que fizeram outros setores da economia. Certamente que as temáticas das apostas online e do IVA no preço dos bilhetes, entre outras, são muito importantes, mas o que está aqui em jogo é a maximização do número de clientes. Isto é, pessoas nos estádios para que exista um verdadeiro espetáculo, e depois a natural consequência, que é o público televisivo. E sobre isto há duas linhas de atuação que exigem atenção imediata: os novos públicos e a promoção internacional. Este é o caminho que atrai patrocinadores, como bem demonstra o exercício feito noutras ligas europeias de dimensão similar à nossa.
Os clubes são a razão de ser da LPFP. Mais do que direitos, têm o dever e a responsabilidade de assumir o seu projeto de futuro. Benfica, Porto e Sporting não podem alhear-se do que está a acontecer nem permitir que se repita agora o lamentável espetáculo do último ato eleitoral. Esqueçam as divergências imediatas e ponham-se de acordo para a construção de uma nova Liga, pois o futuro não se construirá apenas com os públicos da Luz, do Dragão ou de Alvalade.