Para que servem as rentrées políticas?
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O Algarve não será a região mais adequada para realizar uma “rentrée política” se por isso entendermos um regresso simbólico ao trabalho, mas é aquela que, nesta altura do ano, acolhe mais pessoas e isso serve o propósito desta iniciativa: promover uma espécie de comício em tempo de férias, devidamente ampliado pelos meios de comunicação social que também andam com carência das chamadas “hard news”.
Nos anos 60, Daniel Boorstin criou um conceito muito apropriado a eventos encenados sem qualquer valor intrínseco, existindo apenas para criar notícias: pseudoacontecimento. Isso sintetiza bem aquilo que é uma rentrée política. No caso do PSD, a escolha do calendário acentua essa natureza artificial, porque a 14 de agosto ninguém estará disponível para ouvir falar de um regresso ao trabalho. Mas, no chão da Quarteira, os militantes sociais-democratas também não querem chamar ninguém para as rotinas do ano. O evento chama-se “Festa do Pontal” e os respetivos participantes estão ali em modo de férias: bem bronzeados e com um “dress code” bem descontraído. Por seu lado, os média, ávidos de notícias políticas, encontram aí uma oportunidade para preencherem substancialmente os seus alinhamentos. Reúnem-se, então, as condições perfeitas para um partido promover a sua propaganda: audiência disponível para ouvir e jornalistas e comentadores com tempo/espaço para ampliar a mensagem difundida.
Aos eventos festivos, como os do Pontal ou do Avante, os partidos juntam por vezes “universidades” ou “academias” de verão. Daquilo que por lá se debate pouco se sabe, porque o que importa é sempre o discurso do líder que faz uma espécie de conferência de encerramento que, ao contrário das reuniões científicas, não discute uma problemática, mas anuncia medidas (se for poder) ou desfia críticas (se for oposição). Sempre à hora dos noticiários das televisões, cumprindo assim um requisito estrutural do pseudoacontecimento.
Este ano, o PSD já deu o pontapé de saída com a tradicional festa do Pontal que agora se faz na Quarteira. A partir do Algarve, Luís Montenegro falou, sobretudo, para pensionistas que não têm dinheiro para ir de férias, para utentes do SNS que precisam de cuidados de saúde e, claro, para os partidos da oposição. Não faltará muito para os outros líderes partidários saltarem para o palco e entoarem as suas mensagens em registo disruptivo.
Com a aprovação do Orçamento do Estado para breve e com as eleições autárquicas em pré-aquecimento, seria expectável que ambos os tópicos estivessem presentes nos discursos dos líderes partidários. Luís Montenegro evitou-os. Porque são muito sensíveis. E estas rentrées políticas não servem para falar do mais importante, mas daquilo que é mais conveniente propagandear.