Sem surpresas, Cavaco Silva foi reeleito. Vale mais 10 por cento que PSD e CDS juntos, a diferença entre uma maioria absoluta ou relativa.
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Mesmo que, pela sua maneira de ser, o actual presidente não fosse avesso a grandes roturas institucionais, estes números deveriam tranquilizar os mais cépticos: ninguém no seu bom senso se atreveria a demitir um governo nestas circunstâncias. Se a esta incerteza acrescentarmos o impacto que uma crise política teria na situação financeira do país (Cavaco sabe-o bem!), temos a garantia de que nos próximos tempos o Governo terá a oportunidade de conduzir a sua política sem interferências de vulto. Passos Coelho compreendeu-o na perfeição, distanciando-se da tentação de cavalgar esta vaga para criar um cenário de novas eleições. Melhor do que ninguém, sabe que Cavaco Silva não iria por aí.
Será isto suficiente para acalmar os mercados? Não é possível dizer. Não obstante o empenho do Executivo no cumprimento do orçamento - reconhecido por todos, incluindo o líder do PSD - os porta-vozes das agências de notação continuam a anunciar a provável descida do rating de Portugal. Fazem-no com a frieza que só a irresponsabilidade de quem não é avaliado permite. Se tal acontecer, tornar-se-ão inevitáveis mais medidas de austeridade para as quais começa a faltar imaginação e paciência. A julgar pelo que foi dizendo em campanha, esse não é um cenário que agrade ao presidente reeleito. Para além da necessidade de falar verdade, uma preocupação de sempre, a proposta mais sonante que apresentou traduzir-se-ia num aumento dos impostos para os mais afortunados, como forma de evitar o corte de vencimentos dos funcionários públicos. Mais receita para compensar mais despesa. Um caminho que, paradoxalmente, não agrada ao PSD ou ao CDS e que, para ter eficácia, obrigaria a uma mudança radical na base de tributação: se incidisse apenas sobre os rendimentos do trabalho não permitiria arrecadar a receita suficiente. O que não quer dizer que não devesse ter sido feito, como aqui já defendi. "Também" e não "em vez de" permitindo, quando muito, uma suavização dos cortes e, sobretudo, dando um sinal aos mais carenciados. Não seria suficiente, repito, a não ser que Cavaco Silva tivesse em mente um alargamento da base de incidência do IRS, tratando por igual todos os rendimentos, qualquer que fosse a sua origem, o que obrigaria a uma drástica reforma fiscal.
O corte nos vencimentos, se não for rapidamente acompanhado por outras medidas compensatórias, pode decapitar a administração pública, privando-a dos quadros indispensáveis à sua reforma e eficácia. A ideia de reduzir mais os vencimentos mais elevados é politicamente correcta, mas estrategicamente errada, estimulando à saída dos quadros que têm uma alternativa no sector privado (ou na reforma). No longo prazo, tem um efeito contrário ao pretendido.
Não sei se era nisto que Cavaco Silva pensava. Talvez não. Como bom social-democrata repugna-lhe a redução de salários, em geral. Seja como for, por vias direitas ou travessas, pode ter colocado na agenda dois temas que merecem reflexão.