Para um novo ciclo de políticas culturais no Porto (VI)
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São cada vez mais os portuenses que constatam, com perplexidade, a rarefação da oferta de espetáculos para o público infantojuvenil, numa cidade que foi o berço de um pioneiro Teatro do Pé de Vento - despejado à má-fé, em 2018, do Teatro da Vilarinha, desde então encerrado - e de um arrojado Teatro de Marionetas, hoje reduzido a uma ou duas peças por ano, fora o festival anual que organiza. A rarefação comprova-se numa consulta às agendas culturais disponíveis. A única oferta regular é a da Casa da Música (semanal). A escassez de espetáculos de palco para os mais novos contrasta com a torrente de oficinas e ateliês dos serviços educativos das várias instituições. Mas o "oficinismo" não substitui a ida a um teatro, cujo pano "é como a pálpebra do Mundo" (Olivier Py).
A criação e a oferta de espetáculos para os mais novos - nos teatros e nas escolas - são parentes pobres da política cultural do município, quando deviam ser um ramo dos mais frondosos. Nisto, o Porto faz péssima figura por comparação com Lisboa, que possui, desde 2007, um teatro municipal dedicado à programação artística para este segmento da população: o LUCA - Teatro Luís de Camões. A próxima governação devia ter como objetivo proporcionar às crianças e famílias portuenses um equipamento similar.
É uma ilusão falar da formação de públicos - o "graal" das políticas culturais - sem cuidar de os formar também a montante, na tenra idade, quando é viável influir na maturação estética e induzir hábitos perduráveis.
Não se trata de advogar uma cultura de cueiros, que confunda menoridade civil com menoridade intelectual. Quando o grande Stanislavski criou o "Pássaro Azul" no Teatro de Arte de Moscovo, em 1908, terá dito que "o teatro para crianças é como o teatro para adultos, só que melhor". É um género tecnicamente exigentíssimo, propício à inovação cénica e dramatúrgica. Quando tem qualidade, é para todos os públicos.
Na era da dessensibilização e da alienação operadas nas crianças pelos omnipresentes ecrãs, haverá contraofensiva cultural mais importante do que esta? Haverá missão mais premente do que ajudá-las a distinguir a representação do simulacro, a verdade cénica da fraude digital?