<p>Numa altura em que se pressente uma mudança de cadeiras do Poder, aparecem os críticos e os cépticos quanto às "potencialidades e virtualidades da democracia". Mas ninguém propõe, verdadeiramente, uma mudança de regime. Não votar pode ser, verdadeiramente, "revolucionário", ainda que se confunda com a indiferença ou o comodismo. O guerrilheiro é mimético, vive como peixe na água, integra-se, mesmo por oportunidade ou oportunismo, nos grandes movimentos telúricos. Pode reclamar para si o controlo da abstenção, mesmo que não seja toda sua. </p>
Corpo do artigo
2. Já o voto inútil - em branco, nulo, indecifrável - é uma perda de tempo. No fundo, votando, aceita as regras do jogo, mas não arrisca. Não faz nem desfaz. É um peso morto, bem-vindo pelo sistema, que aprecia sempre os provocadores ordeiros. Quanto aos "revolucionários" - em Portugal, como no Mundo - envelheceram, e tornaram-se meramente rabugentos.
3. A verdade é, que no campo partidário, há escolhas, e escolhos. Temos de tudo, e podemos ter mais. Só a "ideologia fascista" é que não se pode ainda organizar (imagino que viva na clandestinidade).
4. A política não é só feita de partidos, como resulta evidente. A política relaciona-se com o Poder, mas não apenas com a sua conquista, ou administração. Pode ligar-se a fenómenos de influência, pressão, resistência, destruição, grandes sementeiras de ideias. Há assim "política" por toda a parte, fora dos órgãos de soberania, ou fora dos órgãos de soberania de origem partidária. Há política na Comunicação Social. Há política nas escolas. Há política nos clubes. Há política nos círculos de pensamento. Há política no trabalho, e no capital. Há política entre as fardas, e nos civis. Há política no centro, e nas periferias. O erro dos partidos mais fechados é nunca terem compreendido isto, ou não o terem entendido a tempo.
5. Lá fora, uma inconfidência de que - vista a fonte - não duvido. O marido de Hillary Clinton resgatou duas jornalistas americanas das garras do "eixo do mal", vulgo a Coreia do Norte. Ao que parece, a China serviu de mediador, activo mas discreto (desde há um mês), embora a fatia de leão do êxito pertença a Washington (e, já agora, a Hollywood). A questão é a de saber se, para além do triunfo mediático, há alguma mudança dramática. Mudança, nos resultados da aproximação ao regime de Pyongyang, moribundo, em transição, que precisa de falar a alguém, mas não quer dar parte de fraco, nem "perder a face".
6. Dois submarinos de ataque russos, em águas internacionais, mas bem perto da costa leste dos EUA. Tensão renovada na fronteira com a Geórgia. Moscovo mostra ter recuperado alguma capacidade expedicionária, e não há nada de errado nisso, a tomar como padrão a maneira como são julgados outros grandes poderes. O problema russo é outro: depois de uma altura em que, com Ieltsin, celebrou a libertação nacional, depois da queda da URSS, volta a olhar para o passado estalinista com reverência, tremendo, sempre que o comparam a Hitler. Mas a verdade é que a semelhança é avassaladora: os processos, estruturas e crimes foram idênticos, mesmo que um regime se reconhecesse "totalitário", e o outro não. Como sugeria o controverso Soljenitsine, no seu pouco conhecido "Arrependimento e autolimitação na vida das nações", Moscovo tem de se libertar definitivamente da múmia da Praça Vermelha, e do carniceiro da Geórgia, para regressar, com força e confiança, ao seu lugar legítimo no concerto das nações.