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O escritor mexicano Juan Rulfo deixou de escrever porque perdeu o seu tio Celerino e este deixou de lhe contar histórias. A mim aconteceu-me encontrar um autarca segundo o qual as instituições portuguesas estão a utilizar os fundos estruturais para dar a volta aos paralelos da calçada e fazer de conta que são novinhos em folha.
O meu autarca é naturalmente um pândego dado a grandes exageros. O último quadro comunitário de apoio dotado de fundos significativos - supõe-se que os próximos beneficiarão os pobres países do Leste - também tem servido para construir belas rotundas e um conjunto vasto de outras obras avulsas. Mas receio que as autoridades nacionais, CCDR incluídas, se tenham esquecido de contemplar os investimentos realmente estratégicos para a competitividade nacional.
Veja-se, de resto, como os fundos comunitários dedicados ao ensino superior - e, portanto, também à investigação, à inovação e à ciência - são, neste quadro de financiamento, significativamente inferiores aos do passado, o que agrava o nosso défice de inovação face aos países asiáticos. Segundo o relatório de Mario Draghi dedicado ao futuro da competitividade europeia, este não é, sequer, um pecado exclusivamente português e compromete até o progresso da União (a Ford concluiu, por exemplo, que a tecnologia chinesa dos carros elétricos já supera largamente a nossa).
É possível, pois, que no fim da vigência do atual quadro comunitário se conclua que o país não se tornou mais competitivo, nem capaz de atrair mais investimento internacional qualificado, desde logo porque não apostou de forma estratégica e decidida no investimento em ciência e porque, já agora, o acesso aos fundos está condicionado por uma burocracia quase impossível de gerir. Em compensação, rodaram-se os paralelos de várias calçadas e construíram-se as tais rotundas que permitem andar às voltas para que tudo fique na mesma.
O meu autarca acha que talvez seja melhor parar com rodeios, sob pena de continuarmos subdesenvolvidos e mais necessitados de fundos comunitários do que os pobres países do Leste. Mas talvez exagere.