O brutal homicídio de George Floyd não reflete apenas a discriminação racial e a violência de uma polícia fora da lei num país que se vangloria de ser o porta-aviões do Mundo desenvolvido.
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Esta morte simboliza uma sociedade que escorraça para as periferias desequilíbrios que deveriam estar nas primeiras linhas das políticas públicas e fazer parte das nossas inquietações mais profundas. "Não consigo respirar!", agoniou este homem nas suas últimas horas de vida. Que esta frase continue a ecoar por muito tempo em várias partes do Mundo.
A morte violenta de Floyd é perturbadora. E isso não é por ter sido incomum, mas porque é demasiado familiar. Sabemos que não é um caso isolado. Esta semana, a revista "Time" escreve que todos os dias, nos Estados Unidos, mais do que uma pessoa negra é assassinada pela polícia. Desta vez, tudo foi gravado por uma rapariga de 17 anos. Olhando com atenção as imagens captadas por telemóvel, reparamos que seria muito difícil aqueles polícias não terem percebido que estavam a ser filmados. E parece que apreciam isso. Não há palavras para descrever tamanha atrocidade.
Apesar da justiça racial ser um problema antigo em solo norte-americano, nestes anos Donald Trump converteu a Sala Oval num espaço favorável para exacerbar divisões raciais, étnicas e culturais. Com o país a explodir de revolta, o presidente norte-americano não resistiu à tentação de atear mais o fogo. É inacreditável. Há politólogos que leem nesta postura uma estratégia que favorece a captação de votos de um eleitorado que, face à revolta popular, procura lideranças mais duras. É uma leitura para um país tão cheio de contradições.
A morte de Floyd surge num tempo em que os Estados Unidos veem morrer milhares de cidadãos por covid-19. A revista "NewStatesman" lembrava ontem que negros, asiáticos e minorias étnicas registam o maior número de vítimas. Porquê? A resposta é simples e, simultaneamente, aterradora: porque são pobres. Afinal, o vírus não ataca todos da mesma maneira. E nem todos têm no estado idêntica proteção.
Este tempo tão duro para todos nós vai escancarando mais os desequilíbrios em que parte do Mundo está mergulhada, particularmente os territórios mais desenvolvidos. Nem todos viveram a pandemia de igual modo e nem todos entrarão numa nova normalidade com os meios de que dispunham no início deste ano. A partir de agora, crescerá o número daqueles que não conseguem respirar. E isso deve mobilizar todos.
*Prof. Associada com Agregação da U. Minho