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Várias serão as fontes inspiradoras do presidente da República, mas uma ocupa, de certeza, um lugar muito especial: Maria Cavaco Silva. Ouvir a voz e apreciar os sentimentos da Primeira-Dama de Portugal, construindo um "puzzle" de encaixe perfeito de todas as peças da sociedade portuguesa, é um avisado e legítimo exercício ocupacional de Aníbal Cavaco Silva.
Após uma longa carreira contributiva, o presidente da República sabe de ciência certa como é um pensionista em perda de poder de compra, não obstante ter preferido tal estatuto e remunerações em vez do ordenado estipulado para o inquilino de Belém. Em nome próprio mas também no de milhões de cidadãos nacionais, os lamentos e preocupações de Aníbal Cavaco Silva não se desvinculam dos de Maria Cavaco Silva - há dois anos recebedora de uma pensão da ordem dos 800 euros por mês. Um casal exemplar não desalinha nunca nas boas e nas más horas....
Uma linearidade de pensamento é o bastante para fundamentar o modo como o presidente da República acredita na não aplicação próxima da já afamada "TSU dos pensionistas". Afinal, sob a convicção de que "há limites de dignidade que não podem ser ultrapassados", Cavaco Silva está convencido de "que tudo, tudo será feito" para que a contribuição de sustentabilidade sobre as pensões não seja aplicada.
Sem hipóteses de garantir o que quer que seja, o presidente da República manifesta-se um bem-intencionado crente. Não dispõe de nenhuma outra alternativa atendendo ao facto de a famigerada "TSU dos pensionistas" constar do memorando da sétima avaliação aprovado a 13 de maio pela troika, embora plasmada em linguagem pirueta para tentar que Paulo Portas saia bem da fotografia da birra e dos ameaços (de pólvora seca) de fim da coligação governamental.
Adepto da estabilidade, o presidente da República faz bem, naturalmente, em tentar desdramatizar a vida política nacional. Mas está difícil....
Há peças do "puzzle" que não encaixam.
Das várias etapas da assistência financeira, a passagem a Portugal de um chequezinho de dois mil milhões dependia do resultado do documento saído da sétima avaliação. Ora, tendo-se valido, como disse, das conversas com a Primeira--Dama, foi Cavaco Silva quem anteontem considerou que o fim da sétima avaliação foi "uma inspiração da Nossa Senhora de Fátima, do 13 de maio". Sintomático....
Não há como fugir ao problema: ou os membros da troika estão loucos (séria possibilidade) e deram o visto bom à sétima avaliação, aceitando um documento no qual há pautas de música celestial e portas abertas a escapatórias ou, então, em nome de uma paz podre no Governo, passa-se a mensagem da existência de alternativas à taxação dos pensionistas para ir tentando amaciar os espíritos mais revoltados.
É melhor alinhar na segunda opção. Pode o presidente da República manifestar uma enorme profissão de fé, mas bem andarão todos quantos não estiverem dispostos a ser tomados por parvos.