Era para falar da suposta ficção-relâmpago atribuída a Hemingway, uma história de seis palavras que tem tanto de comovente como de inventado: Hemingway nunca escreveu "For sale: baby shoes, never worn", e a versão original tem mais de seis palavras e já foi atribuída a vários escritores.
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Mas isto das histórias cujo fio de origem é difícil de puxar levou-me ao noivo que foi amamentado pela mãe no dia do casamento. Ouvi a história pela primeira vez há um ano numa festa. À volta de quem a contava juntava-se um grupo calado, expectante. O contador pedia-nos segredo, a cena fora testemunhada por um amigo de um amigo, que era aliás padrinho - e, estão a ver, Portugal é minúsculo.
Nós calados, quase crianças. Amamentou? Sim: num quarto esconso no dia anterior. A noiva, que o procurava para se despedir ainda solteira, abriu uma última porta onde deu de caras com aquilo. O noivo, um homem de vinte e muitos anos, entregue à mama da mãe. "Garanto que foi assim, o amigo do meu amigo estava lá".
Quem o ouvia precisava de abrir muito os olhos para ouvir melhor. Alguns silêncios tentavam imaginar um filho adulto recorrendo ao ansiolítico materno. E eu, que me cativo com qualquer boa história, sentia-me talvez envergonhado, porque para mim a imagem era uma espécie de Pietá.
Durante dias pensei em complexos de Édipo, em dependência emocional, e no enigma imponderável da continuidade do leite. O filho adulto surgia como um bezerro eterno, e o momento revelador como uma bênção para a noiva. Bendita ela, que cancelou o casamento.
Semanas mais tarde, noutra festa, encontrei outro grupo com olhos de quem ouve. No centro, contando, uma outra pessoa garantia que um conhecido fora a um casamento em que o noivo e sua mãe - já se sabe. Mas desta vez foi numa casa de banho, e a noiva manteve o casamento.
Desde então, eu que detesto festas e conversas de circunstância, sempre que me puxam para um canto e me dizem "tens de ouvir isto", alegro-me pelo reencontro com a mãe, o filho e a noiva. A história pode ser ficcional - quase de combustão espontânea - mas tem viajado de boca em boca com muita sede de ser contada. Recentemente, chegou aos média ingleses, cuja fonte é um podcast que a revela como em primeira mão.
Ficção por ficção, um dia gostava de a contar a Hemingway numa festa. Ele já na segunda garrafa de whiskey, eu ainda sóbrio: ouve lá, Ernesto, queres uma ficção-relâmpago? "Vende-se fraque de noivo passado a ferro pela mãe."
o autor escreve segundo a antiga ortografia
*Escritor