O programa do XIX Governo Constitucional ontem divulgado não desilude nas intenções, mas é, como todos os programas de Governo, ainda vago nas concretizações. O essencial, o que realmente conta para as nossas vidas e para o nosso futuro, será conhecido (logo se vê com que amplitude) amanhã, quando o primeiro-ministro apresentar na Assembleia da República as linhas-mestras do documento e, sobretudo, quando as detalhar. Pedro Passos Coelho garantiu, num assomo de estratégica coragem, que irá além do que a troika exige, por saber que o cobrador do fraque está à nossa porta, aguardando que as medidas surtam efeito suficiente para começarmos a pagar o que devemos.
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O desejável é que a coragem semântica do novo primeiro-ministro tenha aplicação prática. Quer dizer: ninguém com o juízo em dia podia estar à espera de boas notícias, mas o que Passos abriu foi espaço para que, de uma vez por todas, nos seja apresentado um pacote de medidas que toque no ponto - isto é, que nos obrigue a gastar menos mesmo ganhando mesmo. Não há como escapar a este rumo - e tudo o que se diga e faça em sentido contrário deve entrar para o rol das ilusões de custo elevado.
As medidas, todas elas, devem ter como preocupação primeira, creio, a tentativa de alcançar dois objectivos centrais: equilibrar as contas públicas, obviamente, mas também tirar, o mais possível, o Estado das nossas vidas. Estou com os que não vêem o Estado como o grande motor das economias, o grande criador de empregos. O Estado (e o Governo primus inter pares) deve, isso sim, criar os estímulos e as leis que facilitem aos privados a criação de riqueza (sim, já vejo os acusadores do costume a chamarem a isto neoliberalismo. Juro que não sei o que isso é).
Se Passos Coelho seguir por aqui, aguarda-o uma hercúlea tarefa. Mas, estou certo, irá pelo caminho que mais facilmente nos tirará do círculo que os líderes da Zona Euro desenharam em torno dos países periféricos e em francas dificuldades económicas e financeiras.
A instabilidade política da União Europeia, em geral, e da Zona Euro, em particular, é, de resto, mais factor de enorme incerteza nos dias que correm. Na sua última edição, a revista "The Economist" concluía que, se os líderes europeus não resolverem depressa o problema grego, chegará muito depressa o "momento Lehman". Isto é: a bancarrota daquele banco norte-americano arrastou, em 2008, muitos outros, criando severos danos à economia mundial. A provável bancarrota grega arrastará consigo para a lama não apenas outros países, mas talvez mesmo a Europa , tal como hoje a concebemos.
Fujamos do caos.