Quando, há semanas, escrevi que o estado de graça de Passos Coelho estava a acabar, não me passava pela cabeça o "ruído" que preencheria as semanas seguintes. Por inépcia alheia (no caso da EDP) ou por culpa própria, o Governo tem-se deixado enredar numa série de pequenos episódios que, somados, contribuem para o desgaste da sua imagem e, na ausência de uma alternativa política credível, abanam os próprios alicerces do regime democrático. A justificação, se assim se pode chamar, dada pelo primeiro-ministro, quanto às nomeações para o Conselho de Administração das Águas de Portugal (AdP), é a prova provada de que o Executivo não se encontra preparado para lidar com estas situações. No caso em apreço, a questão crítica não é tanto o facto de inundar aquele órgão com militantes dos partidos da coligação mas, sobretudo, a escolha do presidente de uma câmara em dívida e litígio com a empresa. O argumento de que essa seria a melhor maneira de criar sensibilidade nas AdP para o problema das autarquias devedoras carece de sentido. Por sorte nossa, ninguém se lembrou dele anteriormente ou teríamos tido Berardo na Administração da CGD.
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Se as nomeações para a EDP e AdP tiveram o maior impacto mediático (a tal agenda dos meios de Comunicação Social de que falei na semana passada), o essencial dos problemas vai muito para além dessa espuma dos dias. Quando este escrito vier à estampa, pode ser que se tenha consumado um acordo na concertação social. Considerado crítico pela generalidade dos actores e analistas políticos, seria natural que tivesse envolvido, a partir de certa altura, o primeiro-ministro que, no entanto, primou pela ausência, deixando o assunto entregue a um ministro sem traquejo negocial, acabando, ao que se diz, por pedir ajuda a terceiros, mais experimentados. Mesmo que haja fumo branco, e oxalá que o haja, fica a dúvida sobre se Passos Coelho é capaz, não apenas de fazer a leitura política adequada, mas de agir em consonância.
Nesta linha, há muitos, entre os quais me incluo, que consideram ter sido um erro a criação do megaministério da Economia. Ao fazê-lo, juntaram--se sob a mesma tutela uma multiplicidade de dossiês críticos que vão desde os incentivos típicos da pasta da economia, até às questões das tarifas da electricidade, passando pelo emprego, pela inovação e empreendedorismo, pelos transportes, obras públicas e comunicações e pelo turismo. Preso a uma promessa eleitoral, o PSD criou uma estrutura que, ou era entregue a alguém com muita experiência e a quem era dada total liberdade de constituição da equipa, ou teria muita dificuldade em começar a produzir resultados. Como se vê. O problema é que, com as finanças, a justiça e a solidariedade, esta é uma das pastas críticas. Compete--lhe não apenas dar a volta a empresas públicas que são autênticos sorvedouros de recursos como, sobretudo, tentar criar o contraponto, pelo estímulo ao crescimento, ao impacto recessivo que o reequilíbrio das finanças públicas necessariamente produz. Com a actual configuração corremos o risco de nunca saber se Álvaro Santos Pereira poderia ser um bom ministro da Economia. Mesmo quando roçam a ingenuidade voluntarista, percebe-se que há ali boas ideias, vontade e determinação. No domínio da economia. Tarda ou falta tudo o resto.
Um político não se torna num estadista por nunca se enganar. Parte da factura que estamos a pagar decorre dessa obstinação. Um político torna--se um estadista quando é capaz de reconhecer o erro e de colocar os interesses do povo acima do seu entendimento pessoal ou partidário. No caso, estou em crer que Passos Coelho andaria bem se voltasse atrás, subdividisse o Ministério da Economia e reorganizasse a estrutura ministerial, porventura envolvendo nessas mexidas também o Ministério da Agricultura.
É altura de o primeiro-ministro fazer jus à designação, tomando o comando da situação, não se limitando a aparecer para fazer discursos de esperança vã ou, pior ainda, para justificar erros sem justificação.