Há mais de 30 anos que se ouve falar na importância da qualificação dos recursos humanos do nosso país. Há mais de 30 anos que temos uma significativa dotação de fundos comunitários para tentar resolver o problema. E há 30 anos que temos por exemplo uma das maiores taxas de abandono escolar da Europa.
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A resposta ao "porquê?" não é difícil. A formação - sobretudo profissional - que é cofinanciada por fundos comunitários está permanentemente desajustada. Ou seja, e de uma forma fácil que a gente perceba, aquilo que o mercado pede não é o que se ensina.
Daí os pasteleiros e geriatras. Contavam-me, um destes dias, responsáveis autárquicos de um conjunto de municípios que por mais que se esforcem por convencer o Ministério da Educação e o Instituto de Emprego de que precisam de técnicos de calçado veem, invariavelmente repetidas as ofertas de cursos de geriatria e de pastelaria. Sobram técnicos de geriatria e não se abriu nem uma única pastelaria. Os cursos fizeram-se e o dinheiro gastou-se.
Ora, esta situação levanta pelo menos três questões importantes:
1.0º- A diferença entre a aprendizagem ao longo da vida e a formação para a empregabilidade. A primeira é muito importante, sobretudo para quem está empregado, e devia ser estimulada a partir de incentivos dados diretamente aos empresários que valorizassem este tipo de investimento nos seus funcionários. No entanto, não deve ser estendida de forma indiscriminada a ativos e desempregados sob pena de se tornar uma espécie de subsídio de desemprego pobre e encapotado. Casos há em que os potenciais formandos já comparam ofertas não pela qualidade pedagógica ou pela novidade do tema mas pelo facto de pagar ou não subsídio de refeição. Com as exceções relativas aos ativos, a formação, e sobretudo nos tempos que correm, deve ser sobretudo orientada pelo potencial de empregabilidade. Por conta de outrem ou por conta própria. E isso quer provavelmente dizer que as empresas privadas ou os organismos públicos envolvidos na oferta de formação não deviam ser autorizados a repetir ofertas formativas caso não consigam apresentar taxas convincentes de empregabilidade.
2.0º - A segunda questão prende-se com o perfil de qualificações. Há um, para todo o país, feito pela Agência Nacional para as Qualificações. Questiono-me, no entanto, se tomará em consideração a evolução tecnológica associada a cada função. É que, por exemplo, um "técnico de calçado" hoje já não é forçosamente um operador manual indiferenciado.
3.º - Por último, e pedra de toque de tudo isto, a falta de conhecimento do território e a pouca atenção prestada aos seus legítimos representantes - as autarquias. Profundas conhecedoras da realidade local, as autarquias podem prestar um valiosíssimo contributo no filtro a que devem estar sujeitas as ofertas de formação para um determinado território ou setor. O sistema fechado que flui entre o Ministério da Educação, o Instituto de Emprego e Formação Profissional, as associações empresariais e a miríade de empresas/gabinetes privados envolvidos na oferta formativa, não produz resultados satisfatórios e protagoniza uma ação endogâmica e desligada da realidade. E a solução não passa por criar mais conselhos consultivos, plataformas ou redes. Nem por pedir mais pareceres ou estudos às autarquias (ou até às escolas) que depois as estruturas centrais não levam em conta. É preciso apenas apostar nos indicadores de resultados (sobretudo o índice de empregabilidade gerado pela formação) e através destes avaliar a qualidade da oferta e, de uma vez por todas, atribuir às câmaras municipais ou comunidades intermunicipais um voto de qualidade ou um parecer vinculativo sobre os planos de cursos para determinado território.
Sem passos destes continuaremos a viver no país em que é possível ouvir a um secretário de Estado que o problema dos pequenos agricultores com relação à coleta obrigatória (para vender três molhos de couves ou um saco de batatas) não se põe, porque "hoje em dia qualquer agricultor, nos campos ou no curral, consegue emitir uma fatura a partir do seu iPad!".