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A conferência de imprensa de antevisão da meia-final do Euro 2012, que jogaremos hoje com a Espanha, foi uma notável afirmação de Paulo Bento quanto à urgência de não enganar os portugueses adeptos do futebol. E não deixa de ser curioso que, 24 horas antes, no debate da moção de censura apresentada pelo PCP na Assembleia da República, Passos Coelho tenha adotado a mesma matriz de discurso.
Ontem, o selecionador nacional poderia ter aproveitado as deixas patrióticas de alguma da comunicação social sobre o árbitro turco designado pela UEFA ou ainda a circunstância de o hotel ucraniano que acolhe a nossa seleção mais parecer um albergue espanhol.
Em vez de ceder ao oportunismo de cenários eventualmente desfavoráveis, Paulo Bento preferiu afirmar a partilha meio por meio das possibilidades de chegar à final, enterrando, espero que em definitivo, um longo historial de treinadores portugueses que em vez de alinharem os melhores jogadores nas melhores posições, alinhavam as melhores desculpas nas piores táticas. Deste ponto de vista, é evidente que o país tem de agradecer a José Mourinho, que marcou uma nova era competitiva com uma atitude centrada nas capacidades próprias, desvalorizando truques. E sobretudo tentando falar verdade. Tanto quanto ela, a verdade, possa ser identificável num jogo de futebol e seus enganos.
Se a história é feita de atores, o ambiente social também pode provocar alterações de comportamento para além das qualidades e defeitos dos protagonistas.
Talvez que falar verdade seja uma espécie de fruta do tempo. Deste tempo de crise e austeridade, em que as figuras públicas terão percebido que o Povo está cansado de mistificações. Sejam elas sob a forma de desculpas ou de promessas.
No debate sobre a moção de censura , ainda que sublinhando a natureza de diálogo de surdos e a incompatibilidade do argumentário político entre a atual maioria governativa e o PCP, o primeiro ministro não embarcou pelo facilitismo da pura demagogia e o seu discurso político a acabou por ser de uma grande prudência quanto aos resultados da estratégia que está a ser seguida.
Passos Coelho poderia ter usado as desculpas inerentes ao facto de os nossos problemas estarem inscritos nas circunstâncias da crise europeia e mundial. Não o fez e isso revela uma nova atitude. Mais verdadeira. Imagino que tão verdadeira quanto a política o possa permitir num conserto de interesses nacionais e globais que nunca se apagam. Mesmo quando falta o dinheiro nos bancos, nas empresas e nas famílias.
À falta de heróis, acreditei, e já aqui o escrevi, que a crise poderia funcionar como chuva abençoada para lavar mentiras e despautérios."Confesso que é uma convicção que tem tido dias maus. Mas os últimos foram bons.