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No penúltimo fim de semana de agosto, quando o país lambia as feridas dos incêndios que consumiram grandes extensões de matas, incluindo áreas protegidas e vetustos soutos de castanheiros, a agenda noticiosa foi naturalmente partilhada com a divulgação dos resultados da primeira fase do concurso nacional de acesso ao Ensino Superior.
É um dossiê importantíssimo a exigir análise consubstanciada no final do processo, onde se cruzam alguns dos maiores desafios de Portugal como a demografia, a coesão territorial e, sobretudo, a preparação das gerações que assegurarão o nosso futuro coletivo.
Como vem sendo tradição, os nossos órgãos de comunicação social fizeram variadas reportagens sobre o assunto, umas mais factuais, outras procurando analisar aspetos mais específicos, nomeadamente a oferta de alojamento. As dificuldades jornalísticas em encontrar o título capaz de caracterizar a complexidade deste processo são grandes, pelo que no passado foram sendo resolvidas com um indicador redutor - o binómio instituição/curso onde se verificou a nota mínima de entrada mais elevada. No entanto, e talvez porque nos últimos anos deixamos de ter uma instituição de Lisboa nessa situação, tentaram-se novas abordagens.
Foi neste contexto que os vários canais da nossa televisão pública nos brindaram com uma peça reveladora de uma doença capital de que padecem setores influentes da nossa sociedade - o pensamento centralismo.
De facto, a peça reiteradamente difundida ao longo do dia, ao estilo "história de um estudante tipo" apresentava uma aluna de Coimbra que tinha conseguido entrar numa universidade de Lisboa, alimentado o suposto sonho da juventude portuguesa, de onde quer que seja, de ir estudar para Lisboa. Esta imagem de uma, assim criada, estudante de referência é apresentada à população e a muitos futuros candidatos como exemplo de caminho a seguir. Exemplo infeliz no seu âmago e na escolha de alguém que não planeia adequadamente esta importante decisão, uma vez que, como explicou, apenas na última semana viu as cadeiras do curso que pretendia, tendo optado por outro diferente.
De facto, não é nos governos, onde vários ministros tentam combatê-lo, que o centralismo mais floresce. É nos setores e nas corporações que dele se alimentam, por vantagem, oportunismo ou pela cegueira que o desconhecimento promove, numa autofagia que a todos prejudica. À capital, porque a empanturra, ao resto do país que esvazia e descapacita. Acredito que, um dia, a notícia será sobre um jovem da grande Lisboa que escolheu ir estudar para o interior.