Não há coisa mais pedante do que aquele tipo de crónicas que, comentando realidades tão tangíveis como a política nacional - as lutas intestinas no PS, a encenação da exclusividade de Pedro Passos Coelho, os frequentes pedidos de desculpa de ministros deste Governo, para dar alguns exemplos - se socorrem de todo o tipo de citações e referências cultas a que conseguem deitar a mão, para parecerem mais inteligentes. Eu que, como escreveu o extraordinário semi-heterónimo pessoano Bernardo Soares, sinto que "pertenço [...] aquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem", não caio nessa armadilha, e assisto de fora a esse cortejo de vaidades, na angústia, porém, de perceber que, se é verdade como escreveu o extraordinário intelectual francês Paul Valéry que "a actividade do espírito é inimiga do Estado", então o Governo há-de estar a esfregar as mãos de contente por comandar os destinos de um povo que entra mudo e sai calado.
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É por isso, e só por isso, que por vezes me vejo obrigado a comentar a situação política nacional. Como bem escreveu a extraordinária poeta polaca Wislawa Szymborska, "somos filhos da época e a época é política", logo, ter opinião é quase uma imposição da democracia. Mas não julguem que o farei como esse género de cronistas que, a cada passo, citam tudo e todos e depois se têm de desculpar porque prometeram um estilo contido e optaram pelo exibicionismo. Não, não contem comigo para isso.
Mas vamos ao assunto de hoje. Os portugueses estão habituados a sofrer em silêncio. Já me tenho perguntado por que razão não saem mais vezes à rua para expressar o seu descontentamento. Como bem escreveu o extraordinário poeta inglês William Blake, "sem contrários não há progressão" e seria de esperar de um Governo honesto uma maior disponibilidade para cumprir promessas eleitorais utilizadas para enganar os eleitores que os elegeram. Há dias, o ministro da Saúde queixava-se de que os enfermeiros banalizaram a greve. Banalizaram a greve? O Governo é que a banalizou, ao ignorar com indiferença e autismo as sucessivas greves que foram sucedendo. Antigamente, uma greve "inscrevia", para usar a feliz expressão do extraordinário filósofo português José Gil. Agora, com a "não-inscrição", o Governo é inabalavelmente indiferente ao único meio que os eleitores possuíam para exprimir a sua indignação até chegarem as eleições seguintes. Hoje, o exercício democrático da greve já não colhe junto ao poder porque este tratou de banalizar essa espécie de voto de indignação. Como bem previu o extraordinário romancista britânico Óscar Wilde, "Democracia quer simplesmente dizer o desencanto do povo, pelo povo, para o povo". Se Paulo Macedo exercesse o poder por períodos de dois anos apenas, por exemplo, tenho a certeza de que a conversinha seria outra. Ora, aí está uma ideia a incluir na anunciada revisão da Lei Eleitoral: políticos à rédea curta com legislaturas de dois anos. Isso, e a possibilidade de os votos em branco elegerem cadeiras vazias, claro! Se eu estiver a dizer alguma asneira, por favor corrijam-me.
Vivemos actualmente "dias que nos insultam", como escreveu o extraordinário poeta português Alexandre O"Neill, nos quais, nas palavras do extraordinário filósofo francês Gilles Lipovetsky, "o elevador social avariou". Para a maioria dos portugueses, a "vida é uma casa em ruínas", como bem poetou a extraordinária poeta galesa Menna Elfyn, em parte porque a qualidade dos nossos governantes é péssima: se algum de nós, na sua área profissional, fosse responsável por erros da magnitude e consequências dos cometidos na Justiça e na Educação, seria liminarmente despedido. Aqui, ninguém tira consequências. Os governantes portugueses têm uma admirável apetência para se colar ao poder. Nisso, como escreveu o extraordinário poeta russo, naturalizado norte-americano, Joseph Brodsky, a "história, sem dúvida, está destinada a repetir-se".
Mas a culpa também é dos cidadãos. Porque, como escreveu o extraordinário poeta inglês W.H.Auden, "a melhor maneira de ouvir missa é quando não se conhece o idioma" e já era tempo dos cidadãos se envolverem a sério na linguagem da cidadania, em vez de se estarem sempre a encostar à máxima desse extraordinário intelectual angolano, Anselmo Ralph, "não quero saber".
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