Muito se tem falado e escrito sobre a pedofilia, das suas causas e consequências. Todavia, nunca ou quase nunca se identifica a solidão como um contexto que a propicia e percorre, condicionando as vidas das suas vítimas.
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Pela sua natureza, os atos pedófilos ocorrem com frequência em situações que, de um modo pervertido, convertem as contenções socialmente proporcionadas pela privacidade em partilhas onde o que é próprio e alheio se fundem. Acontece, porém, que na intimidade real se consubstanciam consciente e voluntariamente, no e pelo prazer de uma unidade mutuamente consentida, as cumplicidades pessoais que os encontros autênticos motivam. Ou seja, a intimidade constitui um patamar exigente e sublime da dignidade humana, a qual ficará tragicamente comprometida se for corrompida pelo exercício de um poder violento e traumático.
As vítimas da pedofilia - utilizadas pelos criminosos através do desprezo e manipulação das suas vontades - são assim exploradas, no auge da sua incapacidade ou impotência relacional, no âmbito de uma solidão que transportam ou que lhes é criada. Solidão pela qual tenderão a ficar aprisionadas também nos seus itinerários vitais precisamente pela dificuldade em assumirem, perante elas mesmas e diante de terceiros, factos que, pela sua natureza, deveriam ter decorrido e culminado numa saudável e gratificante comunhão sexual de vontades. Mas eis que da solidão decorreu afinal a sua vitimização, esta mesma geradora de novas solidões.
Na verdade, cada vítima acabará por perceber que a autoridade do abusador que à partida a protegeria se revelou antes como uma agressão e um abandono perpetrados por um poder que sempre a constrangerá, dificultando mesmo a assunção da sua plena adultez. A solidão, pela infelicidade, pelas distorções de personalidade, pelas perturbações sentimentais e pelas dificuldades relacionais profundas suscitadas, sairá reforçada por um crime sem perdão, ou pelo menos sem um perdão possível pedido por outrem e que, em qualquer das circunstâncias, nunca o poderá anular enquanto crime.
A intimidade, na sua pureza e inviolabilidade, pela sua capacidade de realização pessoal, é um direito. Um direito incompatível com a solidão...
*ISCET - Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo/Obs. da Solidão