O nosso primeiro-ministro terá muitos defeitos menos um: o de não dispor de imaginação para usar hipérboles capazes de fazerem lacrimejar o mais piegas dos portugueses. Sim, cada frase proferida por Passos Coelho é escarafunchada em múltiplas vertentes analíticas, incluindo até o tom de voz, e quase nunca há alguém a esforçar-se para o pôr a milhas de mais um coro de críticas. É, enfim, um incompreendido....
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Há dias, numa cerimónia da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, o primeiro-ministro puxou mais uma vez da criatividade das suas meninges. E o que disse ele? Isto, bem simplório: "Precisamos de encontrar em cada cidadão um soldado que esteja disposto a lutar pelo futuro do país". O ambiente era propício para uma comparação com os tempos da guerra colonial, ou não estivesse o país longe de um armistício nas dificuldades e tentativas (falhadas, até agora) de as suplantar. Uma "guerra intensa", afinal de contas....
Não faltou então quem zurzisse no primeiro-ministro de alto a baixo, num ritmo de antecâmara a novas e mais violentas referências ao seu sentido de oportunidade, agora na qualidade de Pedro e chamando também à colação Laura, a senhora sua mulher, para lamentar via facebook as dificuldades sentidas pelos portugueses na noite de consoada e das oferendas. Até parece má vontade......
De uma guerra, seja ela qual for, resulta sempre um manancial de mortos e de feridos. Até os objetores de consciência sabem da necessidade de existir toda uma retaguarda, não confinada a enfermarias e hospitais de campanha, para minorar sofrimentos e salvar vidas. Pois bem: tantas e tantas vezes anónimo, resulta desse apoio de bastidores um sarar de feridas e a reconquista de alento.
Quando chamou à liça os soldados para o atual combate às agruras das vidas nacionais, o nosso primeiro--ministro não teria "inside information", mas acabou por antecipar algo ontem conhecido - e ainda bem. Os elementos divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística a propósito da chamada economia social são de todo eloquentes: há 226 mil portugueses cujo trabalho, pago 16,6% abaixo da média, está afeto a IPSS, misericórdias, mutualistas, fundações, cooperativas e por aí fora, sendo eficazes num emaranhado de apoios a populações carenciadas. E um tal trabalho dá que pensar, sobretudo quando não tem qualquer fito lucrativo. Ou seja: numa sociedade cada vez mais empobrecida, é o funcionamento da rede da solidariedade nas suas múltiplas dimensões o responsável por esbater carências e sofrimentos, como nos hospitais de campanha da guerra colonial....
Por estas e por outras provas de uma sociedade civil apesar de tudo solidária é que ganha foros de maior acuidade o debate e a ponderação sobre as reduções previstas no chamado Estado social. Tratando-se a refundação anunciada de um mero sofisma, é mesmo melhor ficarem os soldados de atalaia à equação do quê e como para cortar quatro mil milhões de euros já ao dobrar da esquina!...