Os socialistas espanhóis viraram a página da derrota estrondosa sofrida nas eleições europeias de 29 de Maio. Alfredo Perez Rubalcaba, o rosto da resignação, abriu espaço à liberdade de escolha da militância para a sua sucessão. Feito o debate, no fim de semana resolveu-se a nova liderança, agora entregue ao economista Pedro Sanchez, o qual, curiosamente, já reafirmou a ideia de campanha de introduzir primárias para a escolha de um candidato a primeiro-ministro.
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Paradigmático, o caso do PSOE está na antítese do processo de clarificação nos socialistas portugueses. Embora existindo uma diferença entre a derrota fragorosa nas urnas de Rubalcaba e uma vitória de Pirro de António José Seguro, o essencial reside no desprendimento e no desígnio da clarificação. Em vez de perceber a urgência de separar as águas e definir um rumo, para mais dispondo da vida facilitada pela existência de uma coligação governamental atolada nas dificuldades decorrentes da austeridade imposta, o secretário-geral do PS, para retardar o duelo com o disponível António Costa, sacou da cartola um processo de primárias de todo em todo ilegais à luz dos estatutos e retardou a definição dos socialistas pelo menos até 28 de Setembro.
Está bom de ver: abrindo brechas difíceis de suplantar no médio prazo, o PS desvitaliza-se em lume brando ao ponto de não se saber muito bem como chegará às eleições legislativas de 2015. Para um país cansado dos ritmos políticos impostos pelo chamado arco da governação não é famoso o cenário.
Nem tudo é mau, no entanto, no processo kafkiano em que os socialistas estão metidos. Para lá de ser possível perceber se entre os dois candidatos há apenas uma diferença de personalidade e jeito para a Comunicação, a introdução das primárias, abrindo-as aos não militantes, tem o condão de suscitar um debate sobre as virtudes e defeitos do afunilamento dos partidos políticos em torno da militância. Mas não só.
O debate está também aberto sobre algo de essencial para a transparência democrática: o financiamento das campanhas eleitorais. Inexistindo regras definidas para a fiscalização no caso de eleições primárias, o facto de a comissão organizadora do sufrágio socialista ter pedido parecer ao Tribunal Constitucional é positivo, por si só. E à boleia da inovação é possível refletir sobre as virtudes dos esquemas de financiamento partidário, para muitos desejavelmente apenas suportado pelo erário público.
A luta pelo poder nos socialistas portugueses tem, pois, dimensões suscetíveis de aclarar muito da vida política nacional para lá do Largo do Rato. Valha-nos ao menos isso.