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Um dos traços distintivos do debate político nacional é a tendência para hiperbolizar o acessório. No caso da imigração, instituiu-se a lengalenga de que estamos a ser invadidos por bandidos de turbante que atacam mulheres e crianças, ou por caipiras que ocupam de forma vergonhosa o nosso território produtivo, ignorando que a globalização não se manifesta apenas no fast fashion e nos vídeos patéticos do TikTok. Os dados mais recentes do INE relativos à população residente deviam fazer-nos refletir no essencial: com quem vamos manter o Portugal que queremos ser, se há cada vez menos crianças entre nós? Por cada duas pessoas com mais de 65 anos, contamos apenas um jovem. Um quarto da população já pode ser chamada idosa. Desde a década de 70 do século passado que não havia tão poucas criaturas entre os dez e os 14 anos. E, se entrarmos fundo no país rural (Bragança, Guarda, Vila Real), os números envelhecem pior.
Ora, tudo seria ainda mais tenebroso se não nos tivéssemos transformado num país acolhedor de estrangeiros. O contributo para o equilíbrio demográfico – e, já agora, para a saúde financeira da Segurança Social – tem sido determinante. Por mais que nos agitem o fantasma do ódio (já agora: um aplauso ao ministro Leitão Amaro pelo nocaute dado ao Chega no Parlamento), a imigração está longe de ser a raiz do nosso insucesso coletivo. A seca demográfica, essa, sim, é o maior desafio das próximas gerações. Somos um país de velhos onde os jovens não querem ficar. Nem procriar. Se não atuarmos depressa, sobrará apenas o sol, a praia e, se houver quem queira pescar e grelhar, um bom peixinho na brasa.