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A 14.ª posição de Portugal no World Press Freedom Index 2018, publicado pelos Repórteres sem Fronteiras, reflete um retrato positivo da liberdade de informação que se vive no nosso país. Neste ranking, os três primeiros lugares pertencem à Noruega, à Suécia e à Holanda e o último à Coreia do Norte que ocupa a 180.ª posição. Nos territórios onde é possível informar em liberdade há, no entanto, algumas linhas vermelhas que começam a ser esboçadas. E que convém agitar para que não façam (muito) caminho.
Poderia este ser um índice que interessasse apenas às empresas jornalísticas. Não é, de todo, o caso. O que aí se publica deveria captar a atenção de todos. E muito. Porque tem implicações no modo como vamos estruturando as nossas sociedades e como nos construímos enquanto cidadãos. O jornalismo livre, independente e de qualidade sempre foi vital para a criação de um espaço público dinâmico e para uma cidadania de alta intensidade. Esse jornalismo nunca constituirá um perigo para a democracia. Pelo contrário. Apresenta-se como um antídoto dos abusos de poder, da corrupção, das disfuncionalidades das instituições públicas, dos atropelos cometidos no setor privado, das tiranias individuais... Como documenta este ranking e como cada um de nós vai sentindo todos os dias, esse jornalismo existe no nosso país, o que nos devolve alguma esperança de que há um futuro para a profissão e para o jornalismo. No entanto, este é um campo cada vez mais minado e isso tem vindo a agravar-se. O que nos deveria deixar a todos, enquanto cidadãos, muito preocupados. Os jornalistas nem sempre se sentem livres e isso percebe-se. Em Portugal e em muitos outros países europeus. Isto apenas para falar em territórios onde a liberdade de informação está legalmente instituída.
Segundo o documento dos Repórteres sem Fronteiras, a Europa continua a ser o lugar onde mais se respeita a classe dos jornalistas. No entanto, é também a região do globo onde se regista um maior declínio da liberdade de imprensa. Dos últimos seis meses, fica a memória dos brutais assassínios da maltesa Daphne Caruana Galizia e do eslovaco Jan Kuciak, depois de terem publicado trabalho de investigação em que denunciavam enriquecimentos ilícitos de altas figuras políticas dos respetivos países. É também em solo europeu que mais tem crescido a violência verbal de políticos contra jornalistas. A este nível, um dos casos extremos é a indescritível conferência de imprensa do presidente checo Milos Zeman que, em outubro do ano passado, surgiu com uma réplica de uma espingarda com a seguinte inscrição: "para os jornalistas". Outros exemplos poderiam ser citados em vários países, como a Sérvia, a Hungria ou a Áustria... Claro que haveria ainda muito para dizer se alargássemos estes abusos verbais aos Estados Unidos e considerássemos a verborreia que Donald Trump deixa escorrer através das redes sociais contra os média informativos norte-americanos.
Poder-se-ia afirmar que Portugal tem estado protegido deste tipo de abusos. É verdade. Todavia, isto não significa que os jornalistas não sintam pesadas inibições no seu trabalho diário. Num livro que escrevi em 2015 perguntei a 100 jornalistas portugueses quais os maiores constrangimentos à liberdade de imprensa que enfrentam. Pedia-se um texto breve. As respostas chegaram velozmente falando de algo que é uma espécie de manada de elefantes numa loja de porcelana.
Das respostas dadas concluiu-se que aquilo que hoje mais atormenta os jornalistas são os constrangimentos económicos. Estão aí as principais censuras, transpostas na diminuição de meios, na redução das equipas, na limitação dos trabalhos. Outro constrangimento é a pressão das fontes. O político que pressiona pessoalmente o jornalista pertence ao passado. Hoje os assessores e as agências de comunicação exercem essa influência no lugar dos vários poderes dominantes, desenvolvendo uma pressão de agendamento e de cobertura mediática com técnicas apuradíssimas, sendo, por vezes, muito difícil perceber onde pára uma profícua mediação e começa uma intolerável manipulação. Feita sobre os jornalistas, com efeitos incalculáveis em cada um de nós.
PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UMINHO