Pelo decoro da palavra pública na política
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A relação entre a política e o jornalismo nunca foi simples, mas hoje, em diferentes geografias, essa ligação degrada-se numa espiral de desrespeito pela função de mediação e de escrutínio dos média de natureza jornalística. Quando colocado em frente aos jornalistas, um político deveria assumir uma comunicação de respeito e de responsabilidade, preservando a dignidade do cargo que exerce e fortalecendo a confiança pública. Hoje, há demasiados exemplos que contrariam este princípio.
Numa altura em que a informação circula em tempo real, é muito penoso acompanhar certas conferências de imprensa. Na segunda-feira, o encontro dos presidentes dos EUA e da Ucrânia com os jornalistas na Casa Branca, com o objetivo de falar do processo de paz em território ucraniano, parecia uma conversa de café em que todos se atropelavam. O próprio Donald Trump aproveitou o momento para lançar intoleráveis vitupérios ao seu antecessor. Este comportamento compromete irremediavelmente a função democrática do espaço mediático, transformando-o num palco de confronto e de espetáculo em vez de um espaço de enaltecimento de esforços diplomáticos ao mais alto nível em prol de uma paz duradoura.
Por cá, também vamos acumulando maus exemplos. Com o país profundo em agonia com trágicos incêndios, percebemos que não há qualquer estratégia de comunicação. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil vai procurando remediar uma situação cujo controlo político não se encontra nas suas mãos. O problema não está apenas na ausência de mensagens claras, mas na perceção de que há um desfasamento entre quem governa e quem sofre no terreno. Em vez de um discurso próximo, empático e assertivo, multiplicam-se tecnicismos e justificações defensivas.
Não é um caminho auspicioso este que muitos políticos trilham de permanente agressão ao jornalismo. Quando fala com um jornalista, um político deve ter sempre presente que o seu interlocutor representa a opinião pública, perante a qual está obrigado a dar toda a informação relevante e a prestar todas contas. Não é assim que muitos políticos pensam. Um grupo cada vez mais alargado vê no jornalista um pé de microfone, podendo ali dizer tudo o que quer e depois ir embora. Nada mais perigoso. Porque a palavra pública sem decoro não é apenas uma falta de cortesia: é a erosão silenciosa e fatal para a preservação da democracia. Se a política se fechar em discursos redondos ou agressivos e se o jornalismo se circunscrever a um mero cenário, o espaço público definha. O passo para regimes autoritários torna-se assim cada vez mais curto.