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O leitor familiarizado com o Monopólio sabe que há uma altura do jogo (quando os bairros do adversário estão apinhados de hotéis), em que é muito mais oneroso andar cá fora pelo tabuleiro do que recolher à cadeia, três jogadas seguidas.Portugal está assim. Inspirar paga IVA, expirar paga IRS, o problema é que não é fácil ao cidadão comum conseguir ir preso.
Quando tal acontece, acaba por ser vantajoso. O JN contou um caso em que o Estado português foi condenado a pagar 15 mil euros a um cidadão que foi detido pelo crime de abuso sexual, até as autoridades descobrirem que tinham prendido a pessoa errada. Teve imensa sorte! Foi um mês inteiro a viver a expensas do Estado para no final ainda sair indemnizado.
Contudo, nem todos os cidadãos que cometem crimes (a sério) conseguem ir para a cadeia. Em Braga, um carteiro de 37 anos apoderou-se de 15 mil euros em moeda estrangeira (através do indecoroso método de "apalpar" correspondência) furtando notas de 19 das 77 cartas que violou. Teve azar: o Tribunal de Braga condenou-o a três anos de prisão com pena suspensa, pelo que terá de continuar em liberdade, trabalhando todos os dias para sobreviver.
Enão se pense que isto se passa apenas com cidadãos nacionais. Bambo Guirassy, o célebre astrólogo e vidente senegalês Professor Bambo, foi a julgamento por extorsão de 16 850 euros a três casais que recorreram aos seus (chamemos-lhes assim) "tratamentos" mas para grande infortúnio seu foi absolvido, pelo que terá de permanecer em liberdade enfrentando não apenas os custos da sua vida quotidiana como também a concorrência de Mestre Astrólogo Africano Buba (que "resolve todos os problemas de família, amor, amarrações, afastar e aproximar, emprego, negócios e inveja") e de Mestre Sila (que garante "resultados prováveis em 3 dias, +/- 100%"). Não se "adivinha" fácil!
Felizmente que a discriminação entre anónimos e poderosos está a acabar e a justiça começa (finalmente!) a funcionar mal para todos. Isaltino Morais, um renomado poderoso, foi condenado pelo Tribunal de Oeiras a sete anos de cadeia por quatro crimes (fraude fiscal, abuso de poder, corrupção passiva para acto ilícito e branqueamento de capitais) mas teve de esperar 10 longos meses até o Tribunal da Relação fazer o óbvio: reduzir-lhe a pena de prisão para dois anos. Ora, se o cidadão comum não tem o direito a ficar preso quando comete um crime honesto (tendo de suportar sozinho o elevado custo de vida em Portugal), por que razão haveria Isaltino de beneficiar de mais cinco anos de pernoitas inteiramente pagas pelo Estado português? É certo que pretende agora ser compensado com uma jóia (uma bonita pulseira, se não em ouro, em todo o caso electrónica) mas pelo menos fica a consolação de sabermos que não vai viver à nossa custa 1826 dias adicionais.
Odirector dos Serviços Prisionais veio agora lançar alguma luz sobre esta problemática manifestando-se preocupado com o orçamento para 2014, dado as cadeias terem atingido os 14 133 moradores (número que ultrapassa em 16% a lotação de quartos disponíveis), sabendo-se como se sabe que cada hóspede custa ao Estado 47 euros por dia enquanto a dita jóia fica apenas por 9 euros diários. Venho por isso aconselhar o leitor a que não cometa nenhum crime punível com prisão nos próximos meses (mais ainda no contexto do novo mapa judiciário que promete desligar outros 20 tribunais), uma vez que a probabilidade maior é não conseguir ir preso e ter de continuar cá fora a lançar dados, fugindo às multas da "caixa da comunidade", sonhando não recomeçar cada dia, cá detrás, da "casa partida".
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