Ninguém diria, mas o Parlamento empossado há 15 dias tem 230 deputados e não dois. Ninguém diria, porque quase toda a normalidade parlamentar (e, porquanto, o discurso político dominante) foi resgatada pela agenda colorida de dois partidos que elegeram um deputado cada.
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Joacine Katar Moreira, pelo Livre, e André Ventura, pelo Chega, apoderaram-se, voluntária e involuntariamente, da arena pública com uma naturalidade arrebatadora, transformando o hemiciclo numa feira de excentricidades. Zero de ideias, entretenimento a rodos, numa lógica do quanto pior melhor.
Falem de nós, não interessa por que motivo, mas falem de nós. Aos olhos do país, o Livre e o Chega já valem mais hoje do que valiam na véspera das eleições legislativas. E ainda que não seja pelas mais atendíveis razões, esse mérito ninguém lhes tira. O ruído rende. E contamina.
Não consigo dizer se o tempo perdido com a saia do assessor de Joacine, a gaguez de Joacine, a tese de doutoramento de Ventura ou a porta que ia ser construída para melhorar o acesso do líder do Chega ao hemiciclo (tema, verdade seja dita, sobre o qual não resisti em discorrer neste espaço) são apenas reflexo de um comportamento tipicamente adolescente na relação da máquina comunicacional com a novidade.
Mas numa legislatura que ameaça ser tensa na rotina interpartidária, cabe aos deputados de todas as bancadas não se deixar arrastar por esta modinha de reduzir os problemas do país a ementários políticos sonantes (legítimos em democracia, é certo) que acrescentam pouco - ou nada - àquilo que os cidadãos vão esperando dos seus representantes.
É cada vez mais difícil fazer política de forma discreta e construtiva, mas esta nova normalidade dos extremos assente numa coreografia de casos, sendo emotiva, só nos distrai do essencial. O país vale bem mais do que uns gostos no Facebook ou uns desaguisados no Twitter. Vale certamente mais do que o ego desmesurado de quem está convencido de que o Mundo gira à sua volta. E não gira, felizmente.
*Diretor-adjunto