As reportagens das ceias de Natal que, por esta altura do ano, se fazem, evidenciam, se dúvidas houvesse, que o apoio aos mais carenciados está longe de se poder confinar ao chamado rendimento social de inserção. A maioria das personagens entrevistadas revelava um perfil, pela idade ou pela história de vida, em que a reintegração no mundo do trabalho se afigura extremamente difícil. Em casos como os retratados, condicionar o apoio a uma potencial reocupação ocupacional é, não apenas insensato como, sobretudo, cínico. Pelo seu trajecto, muitas daquelas pessoas não serão, sequer, capazes de lidar bem com o dinheiro, mas têm direito, por razões do humanismo em que se baseia a nossa civilização, a condições que lhe garantam uma sobrevivência digna, a um tecto e alimentação.
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Com excepção dos hospitais e das prisões, as situações noticiadas inserem-se, tipicamente, no âmbito das actividade das instituições particulares de solidariedade social e do voluntariado. Cumprem o seu papel, dir--se-á. Deixar a organização, realização e financiamento dessas iniciativas à boa vontade dos particulares evidencia as contradições do dito estado social, aparentemente mais preocupado em constituir-se como alternativa do que em apoiar o desempenho de uma função, por mais essencial que a mesma possa ser.
É verdade que, em tempos que se anunciam difíceis, a solidariedade é demasiado importante para ser deixada à Administração Pública e, menos ainda, aos seus humores e conveniências de circunstância. O que tem acontecido recentemente prova-o. Se a garantia de solidariedade para com os mais fracos e desvalidos está no âmago das atribuições do Estado, esta é a altura certa para celebrar um contrato de partilha com as instituições que têm a solidariedade no seu ADN e que são exemplares no exercício do seu papel. Quando estão em causa valores tão fundamentais, não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar recursos e energias.
Movida pela desconfiança e pela presunção de competência, a Administração Pública tem a ambição de tudo tutelar, de ser omnipresente. Nega o princípio da subsidiariedade, dentro do aparelho de estado, centralizando. Nega-o, socialmente, monopolizando. Não estranha, por isso, que se ignore a descentralização e, em particular, a regionalização, quando se discute a reforma do Estado que fica, à partida, convenientemente coxa. Não estranha, por isso, que poucas ou nenhumas funções se atribuam às empresas quando se discute o rendimento social de inserção, como se esta se pudesse fazer ignorando os empregadores.
2011 não vai ser um ano fácil. A solidariedade para com os deserdados é um imperativo. Os recursos serão cada vez mais escassos, exigindo parcimónia e eficiência. Não chega. Menos do mesmo é menos... Há um limite para os cortes. Ousar crescer é urgente. Sem crescimento não há solidariedade que resista. Não podemos desistir do futuro: temos de pôr todas as alternativas em cima da mesa, discuti-las sem preconceitos, escolher, decidir e actuar em conformidade. Socorro-me do título do último livro de D. Manuel Clemente: "Porquê e para quê? Pensar com esperança o Portugal de hoje".