A eventual saída da Grécia do euro terá enormes impactos, a começar no sistema financeiro e a acabar nas relações entre países. Chegou-se a esta situação porque, como de costume, os líderes europeus nunca acreditaram que... se pudesse chegar a esta situação. Mais uma vez, não agem, reagem. Nas actuais circunstâncias, talvez a única alternativa seja procurar minorar os danos causados pela saída da Grécia do euro, criando corta-fogos que protejam os países mais vulneráveis ao contágio, Portugal (ou Espanha?) à cabeça. O abandono do euro será, para os gregos, um retrocesso de mais de 40 anos, em nível de vida e, há esse risco, em condições democráticas. Se tal vier a suceder, o maior quinhão da responsabilidade é da Grécia, dos políticos que levaram o país à situação de bancarrota e que, depois, não foram capazes de estabelecer uma plataforma de entendimento que lhes permitisse a estabilidade indispensável a uma tarefa de salvação nacional. Esse clima parece ter contagiado (reflecte?) os próprios eleitores que escolheram o pior dos cenários, inviabilizando uma solução governativa estável, fosse ela pró ou anti-troika. A culpa, porém, não está toda do lado grego. A União Europeia ajudou à festa. A sua fixação em políticas de austeridade pró-cíclicas, a sua insistência em prazos de ajustamento demasiado curtos e o juro excessivo estabelecido acentuaram a recessão e, ao ignorarem a dimensão social, incitaram à radicalização o eleitorado grego.
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Em economia diz-se que os agentes económicos sofrem de "racionalidade limitada" para designar as suas limitações em processar informação e formular e resolver problemas complexos de uma forma racional (optimizadora). Pensando bem, na conjuntura actual estamos a pedir aos decisores políticos que adoptem políticas que conduzam ao equilíbrio orçamental, evitem a bancarrota do sistema financeiro, estabeleçam uma agenda para o crescimento e impeçam (ou solucionem) problemas como o da Grécia. Como diz o povo, talvez seja "demasiada areia para o seu camião". Ao querer tudo abarcar e resolver, talvez uma ou mais rupturas venham a, ou tenham de, acontecer. Não sei! Pode ser que, em vez de mudanças fundamentais, pequenos ajustamentos em algumas políticas tornem viável a sua conciliação recíproca. Por exemplo, uma consolidação orçamental estrutural, não efémera, requer um tempo e um modo que não são compatíveis com a pressa que a troika tem demonstrado. Mesmo numa conjuntura económica normal, o que não é o caso, cumprir com o exigido tenderia a passar por medidas extraordinárias, como a transferência do fundo de pensões da Banca, por aumentos de impostos e por cortes cegos do lado da despesa. Num quadro destes, é puro cinismo anunciar uma agenda para o crescimento: somar cortes de despesa com aumentos de impostos é uma mistura explosiva cujo resultado só pode ser recessivo, com a fiscalidade a desempenhar o papel de detonador. A virtude está do lado do corte da despesa que tem, ainda assim, de ponderar consequências futuras para evitar o efeito colateral da desarticulação, pura e simples, da máquina do Estado com efeitos nefastos em termos de eficiência (e custos) e eficácia.
Ao impor prazos muito curtos, demasiado curtos, a tríade manifesta insensibilidade política e uma profunda desconfiança na nossa capacidade de manter uma linha de rumo e de planear para além do ciclo eleitoral. Verdade seja dita que lhes demos todas as razões para assim pensarem. Paradoxalmente, o seu frenesim com a produção de resultados poderá contribuir para descontinuidades que não são, nem mais nem menos, do que a repetição, travestidas de reformas, de comportamentos anteriores que fazem tábua rasa de tudo o que foi decidido antes quando o bom senso sugeriria, a mais das vezes, uma via incremental e não disruptiva. Saber discernir quando são precisas rupturas ou, tão-só, melhorias distingue o governante do reaccionário e do aventureiro, o futuro do passado e da catástrofe. Requer tempo para pensar com vagar. Tê-lo-emos?
O autor escreve segundo a antiga ortografia