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E,no entanto, move-se! Mesmo na ausência de uma estratégia global, há sinais de que algo está a mudar no modo de funcionamento do Estado. Pequenos passos. Não serão suficientes para fazer a diferença. Saúdem-se, não obstante. O exemplo vem, esta vez, do Ministério da Educação e Ciência (MEC). Acusei-o, a semana passada, por insistir no encerramento de escolas com base num critério quantitativo aleatório (21 alunos ao que julgo saber), sem atender aos efeitos indirectos, nomeadamente em termos de equilíbrio da ocupação territorial. São critérios escudados numa análise técnica asséptica cuja aplicação indistinta consagra uma visão centralista, urbana e retrógrada: a "província" a evoluir à imagem e semelhança da cidade, no limite da capital.
Se esta fosse uma medida específica, apenas no domínio da educação, poder-se-ia tolerar. Sucede que a esta se juntam medidas nas áreas da justiça, das finanças, da administração interna, da saúde. Cada um destes ministérios funciona no seu próprio mundo, isolado dos outros, como se fosse um silo. Caso a caso, as medidas têm o seu fundamento. Serão bem-intencionadas. Em conjunto, têm um resultado terrível: populações que se sentem abandonadas, vilipendiadas por um Estado em quem, ainda e sempre, depositavam a última esperança. Se, ministério a ministério, pode haver desculpa, o mesmo não acontece quando se sobe um nível, para quem tem a responsabilidade da coordenação política e de políticas. Aí, ou há vontade de que as coisas sejam como estão a ser, ou há incompetência por não se aperceber do que está a acontecer.
Num quadro destes, a disponibilidade do MEC para concertar, com os municípios interessados, a gestão das escolas do Ensino Básico e Secundário é uma boa notícia. Faz sentido que se comece gradualmente, com projectos-piloto, envolvendo municípios disponíveis e com condições para fazer a experiência que se soma, na maioria dos casos, a ensaios bem-sucedidos no âmbito do Ensino Básico. O que não faz sentido foi o que veio a seguir. Num assomo de paternalismo despudorado, o MEC anunciou a possibilidade de as autarquias reterem metade dos eventuais ganhos de eficiência obtidos. Ou seja, se as autarquias conseguirem poupar "só" têm de entregar metade da verba. O Estado central, magnânimo, permite-lhes reter o restante. Não sabe como poupar que não seja cortando salários ou impondo rácios gerais. Admite, e bem, que quem está mais próximo seja capaz de organizar as operações mais eficientemente. Mas não abdica de cobrar o seu "imposto". Não lhes ocorreu sugerir que poderiam usar esses fundos para premiar os melhores professores ou para aperfeiçoar o sistema de ensino, por exemplo, providenciando mais acompanhamento e apoios aos alunos do ensino especial ou de meios mais carenciados. Não. Nada disso. Para o MEC o que conta é o deve e haver.
Esta medida é, também, paradigmática pelas reacções de várias corporações que abundam no meio educativo. Nos planos do MEC estará, se as experiências forem bem-sucedidas, evoluir para uma maior descentralização de responsabilidades. O MEC reteria, e bem, responsabilidades de regulação e supervisão garantindo bases de funcionamento e um denominador comuns. O assunto é complexo, envolvendo transferência de competências e de dotações orçamentais. Os municípios passariam a ter margem para, dentro dos princípios gerais estabelecidos centralmente, configurar planos curriculares mais ajustados às realidades em que as escolas se inscrevem e para, criando centros de ensino de excelência, atrair mais alunos e melhores professores devidamente recompensados. A concorrência estimularia os estabelecimentos de ensino, públicos e privados, a melhorar o seu desempenho. Tudo isto retiraria protagonismo e poder ao ministério. Ao Poder Central. O MEC deixaria de ser o interlocutor privilegiado. E isso, as corporações não querem! Perdiam o irmão gémeo. Ainda nem a procissão vai no adro e já os obstáculos e as reticências são mais que muitos. Decididamente, na óptica dessas corporações, é preciso uma grande reforma, é preciso que tudo mude, para que tudo continue na mesma.