António Feio foi um viajante de bagagem cheia. De profissionalismo e de humanismo. Filho do teatro, fez o que muitos que para aí andam a reivindicar subsídios nunca conseguiram: chegar ao público - dos oito aos 80.
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Emociona navegar nas páginas do actor/encenador no Facebook. São centenas de depoimentos em tom de homenagem e de agradecimento. A comprovar o seu maior legado: a proximidade.
Como realça a sua cara-metade, José Pedro Gomes, "contribuiu muito para que o teatro voltasse a encontrar-se com o público". Nomeadamente, o jovem.
Com um humor característico. Que nos punha a rir de nós próprios. Tão simples, mas tão perspicaz. E surpreendeu o seu público com um humor quase negro quando assumiu o "bicho". Revelando o homem que o público poderia desconhecer: corajoso.
"Através da doença, descobri coisas muito boas, nomeadamente a solidariedade das pessoas, a cumplicidade com este problema. É gratificante saber que podemos ajudar os outros a superar problemas idênticos", dizia, ao "Jornal de Notícias", em Maio passado, marcando um outro legado seu: a bondade.
Quando, na gala dos Globos de Ouro, se mostrou agradecido ao seu pâncreas - devido à avalanche de convites que a doença lhe "proporcionou" -, António Feio pôs o dedo na ferida. A falta de reconhecimento que o país presta aos seus artistas.
Não existisse a doença ou não fosse ela tornada pública, muito provavelmente seria mais um a ter direito a homenagem póstuma. Não o foi. Teve honras do presidente da República, que lhe atribuiu o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Com o teatro no corpo há 40 anos, foi uma comenda justíssima.
Numa breve autobiografia na Internet, escreveu: "Sou assim e já não mudo!!! Esta foi a minha frase durante muito tempo... A verdade é que mudei muito, no último ano. Espero que para melhor... Pelo menos, eu sinto-me melhor".
Quero acreditar que tenha sido assim até ao último minuto. E com aquele sorriso rasgado, de garoto maroto, nos lábios.