Na última crónica, abordei a auditoria do Tribunal de Contas que arrasa o negócio do Terminal XXI de Sines, concessionado há dez anos, à PSA de Singapura, e confirma os receios então expressos pela Associação Comercial do Porto e pelas Comunidades Portuárias de Lisboa e Leixões. Para além de aspectos essenciais que tinham sido denunciados antes da conclusão do negócio, e que o Governo da altura ignorou, o relatório aponta outras anomalias. Faz notar que o sistema sancionatório para hipóteses de incumprimento era exíguo, que o início da fase de exploração pela concessionária ficou por estabelecer, que pouco ou nada ficou especificado relativamente aos aspectos qualitativos do serviço, que o risco ambiental ficou a cargo do concedente que assumiu de igual forma o risco do adiamento ou da não realização do projecto uma vez que as metas de investimento ficaram em grande parte dependentes da evolução da procura posterior à adjudicação. Mas não só. Comprova-se ainda que o atraso verificado na entrega de equipamentos por parte da concessionária ficou sem sanção, que há um progressivo afastamento do volume de tráfego de contentores em relação ao previsto numa concessão em que o Estado não cobra uma renda fixa mas apenas rendas variáveis em função do volume, que não existe um plano de gestão de riscos da concessão, que o contrato tem sido alvo de aditamentos constantes e, imagine-se, que a concessionária não teve que fornecer estudos de procura porque se entendeu, preto no branco, que era, ela própria, parte interessada no contrato, a maior e mais credível das fontes para esses estudos.
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Ora, este relatório levanta duas questões, e permite que se chegue a duas conclusões. A primeira das questões diz respeito à razão pela qual Portugal dispensa os investidores estrangeiros do crivo que se aplica ao investimento nacional, e à incapacidade óbvia que revela em assegurar as devidas contrapartidas e em exigir garantias que salvaguardem o interesse público.
A segunda questão tem como destinatário João Cravinho, responsável político por este negócio. Sendo ele tão sensível no que toca à corrupção, como permitiu que o contrato fosse celebrado desta forma, com a eliminação de eventuais concorrentes e com a aprovação de uma norma à medida a permitir o ajuste directo, não cuidando de monitorizar o que estava a suceder e ignorando os avisos que lhe foram feitos? Conhecendo o que agora se conhece, entenderá que se tratou de uma mera violação de deveres de cuidado, ou que terá havido algum tipo de intenção ou actuação dolosa?
Quanto às conclusões a retirar de tudo isto, resta esperar que a PSA, com base na sua experiência internacional, possa potenciar as múltiplas valências de Sines e aproveitar as vantagens competitivas que resultam deste seu contrato leonino com o Estado. Se assim for, nem tudo estará perdido para a nossa economia. Mas, ao mesmo tempo, comprova-se que o projecto do Governo de avançar com a fusão dos portos, a pretexto das sinergias que se poderiam gerar, é ínvio e inaceitável. A concretizar-se, os bons resultados de Leixões, que neste momento são reinvestidos nas suas infra-estruturas e que por isso têm um efeito multiplicador, serão desviados para tapar estes buracos, ou seja, para compensar Sines pelas rendas que não cobra, e que resultam num défice de exploração desse porto. Não se pode tolerar essa dupla distorção, porque se houve uma discriminação de tarifas, não pode agora haver uma subsidiação que prejudicaria quem já paga mais. Como se sabe, o princípio dos vasos comunicantes não funciona se um dos vários recipientes do sistema tiver o fundo quebrado. Nesse caso será preferível falar de princípio de poço sem fundo...