No passado mês de março somamos uma nova preocupação às muitas que já nos atormentavam - Chipre era mais um país da União Europeia em dificuldades. Na madrugada do dia 16, sábado, aceitava o plano de resgate financeiro proposto pelo Eurogrupo no valor de 10 mil milhões de euros.
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As preocupações para os portugueses vieram menos dos problemas do país, uma pequena economia com a qual Portugal tem relações económicas irrelevantes, e mais das medidas impostas pela troika constantes do plano de resgate financeiro. Os cipriotas foram confrontados com a aplicação de um imposto sobre os depósitos bancários, com mais forte incidência nos depósitos superiores a 100 mil euros e com a retenção na fonte dos juros que seriam pagos pela aplicação das poupanças. Os portugueses, fustigados por um conjunto de medidas duríssimas cuja insensatez nos arrastou para a "espiral recessiva" e alertados para a insuficiência da receita aplicada, temeram que o exemplo fosse repercutido no nosso país. E, nos dias que se seguiram, assustados com as notícias que vinham de Chipre, acorreram aos balcões bancários tentando saber o que fazer para ficarem a coberto de idêntica situação.
Procurando evitar uma corrida desenfreada às poupanças, o governador do Banco de Portugal apressou-se a tranquilizar os depositantes. "Os portugueses podem estar tranquilos" porque a tributação excecional ao Chipre "não é transponível para outros países", afirmou Carlos Costa. "É um problema específico de um país que não é transponível para nenhum outro", acrescentou.
Muitas foram as vozes que no mesmo sentido se pronunciaram e a agitação foi diminuindo à medida que desapareciam dos telejornais as imagens dos desesperados cipriotas a tentarem aceder a caixas multibanco bloqueadas.
Até que esta semana nos vemos, de novo, confrontados com o tema. O deputado europeu Nuno Melo resolveu perguntar à Comissão Europeia se "a solução de capitalização de bancos em dificuldades, com recurso ao dinheiro dos depositantes, tal qual aconteceu no Chipre, poderá ser extensiva aos demais países".
Pergunta escaldante, no momento em que acabamos de ser confrontados com mais um pacote de medidas de austeridade que podem vir a ser consideradas insuficientes, face à previsível inconstitucionalidade de algumas delas.
A resposta do comissário Michel Barnier não foi totalmente clara no que se refere à similitude da situação com Chipre, mas foi suficiente para trazer uma vez mais o assunto à ordem do dia.
"Para minimizar o impacto sobre os contribuintes, o instrumento de resgate interno previsto nesse enquadramento permitirá a um banco ser recapitalizado através da anulação ou diluição das participações acionistas e da redução ou conversão em ações dos créditos dos credores. Os depósitos inferiores a 100 mil euros continuarão a ser plenamente garantidos e são explicitamente excluídos deste instrumento".
O alarme estava lançado. Não faltou, também desta vez, o governador do Banco de Portugal a servir de bombeiro e a procurar evitar nova onda de inquietações, lembrando que a Banca portuguesa já foi recapitalizada e que o problema não se coloca ao nosso país. Para já, é assim. Mas a persistir-se nas políticas recessivas que nos afundam, o problema tem grande probabilidade de vir a colocar-se entre nós.
Na sua página no facebook, Nuno Melo comenta a resposta do comissário afirmando que "o BCE tem hoje responsabilidades de supervisão. Se não for capaz de detetar práticas insolventes de um banco, não responderá por isso... Já os depositantes, convencidos por todos estes intervenientes da credibilidade e robustez de um banco particular, que depois venha a revelar dificuldades, serão precisamente quem poderá ser chamado a suportar a sua capitalização, perdendo o dinheiro dos respetivos depósitos acima dos 100 mil euros".
Para deixar os grandes depositantes desconfiados e inseguros, não podia o comissário ter dito melhor. Daqui por alguns anos (tantos quantos durar esta tremenda crise) lá teremos o governo de então a lançar o quarto RERT (Regime Especial de Regularização Tributária), instrumento que os governos têm usado para fazer regressar ao nosso país capitais que dele fugiram.
Como muito bem disse Maurice Blanchot, "a resposta é a parte infeliz da pergunta".