Quando, em 1992, se assinou em Maastricht o tratado que pretendia (precocemente, como o futuro viria a demonstrar) que a então Comunidade Europeia somasse à integração económica a integração política dos países que a compunham, o papão do federalismo foi agitado até ao limite pelos que se opunham a tal avanço.
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O semanário "O Independente", à altura dirigido por Paulo Portas, esteve na frente da batalha - chegou a oferecer autocolantes, coerentes com a linha editorial então defendida pelo actual líder do CDS/PP, com a seguinte frase: "Antes Guimarães que Maastricht". Os acontecimentos das últimas semanas reavivaram, como há muito não acontecia, o debate sobre a evolução política da agora União Europeia. Melhor: recolocaram sobre a mesa a discussão sobre o federalismo.
Para nós, portugueses, há dois pontos de partida que ajudam a aclarar o problema. É hoje evidente que o reforço das medidas de combate à crise foi- -nos imposto por Bruxelas, depois de a França e Alemanha, sobretudo esta, terem dito basta! Isto é: o presidente Sarkozy e a chanceler Merkel obrigaram-nos a ter juízo, por saberem que, sem um crescendo de austeridade, Portugal (e Espanha) chegariam rapidamente ao estado comatoso em que se encontra a Grécia. Ora, isto coloca um óbvio problema de corte na nossa soberania (ou do que resta dela).
É este um facto isolado e conjuntural, ultrapassável depois de os mercados financeiros serenarem? Não é. Eis porquê: Bruxelas fez saber, de fininho, que deseja (para não dizer exige), num futuro não muito distante, olhar para os orçamentos dos estados-membros da União Europeia antes que os ditos sejam aprovados pelos parlamentos nacionais. Tradução: Bruxelas quer ser a guardiã do bom senso orçamental, sem o qual é o próprio futuro da União Europeia (UE) que estará seguramente em causa. A lentidão com que a UE reagiu à profunda crise em que estamos mergulhados e a pressa com que o Banco Central Europeu comprou, num movimento inédito, títulos da dívida dos países em dificuldades parecem ter cedido o passo, num instante, a uma visão mais interventiva, muito mais interventiva das principais autoridades europeias.
O ponto é este: países como a Alemanha não estão mais disponíveis para cobrir com milhões e milhões de euros a irresponsabilidade dos outros. Não há volta a dar-lhe! Bruxelas colocou a países como Portugal não um novo problema, na medida em que a transferência de parte da nossa soberania para uma entidade transnacional começou há muito, mas um problema para o qual não nos sobra saída: ou aprofundamos essa transferência ou seguimos a via do isolacionismo.
Assim, à primeira vista, a escolha parece simples. Mas não é. Há um pequeno engulho a considerar: a dimensão da actual crise tocou como nunca no bolso do comum cidadão europeu, da famosa classe média. É verdade que, num primeiro impulso, a culpa pelas dificuldades será sempre atribuída aos governos nacionais. Mas não é menos verdade que os "diktats" de Bruxelas tenderão a criar crescentes resistências dos europeus ao avanço para uma união política. Não é por acaso que, à porta do banco grego onde morreram três pessoas na última grande manifestação de protesto em Atenas, há cartazes a vilipendiar… o Fundo Monetário Internacional. As pessoas percebem que a dureza das medidas com que são obrigadas a viver emanam dos seus governos nacionais, mas são impostas por entidades externas. Em tempos de forte crise, a razão que vem directa do coração tende a ultrapassar com bastante velocidade qualquer análise fria dos factos, por muito que a inevitabilidade destes seja explicada.
Infelizmente, não é líquido que deste delicado caldo resulte a aceitação de um novo modelo político, mais federal ou não, a criar no seio da União Europeia. Ao contrário: é bem provável que, sentindo sérias dificuldades para chegar ao final do mês com dinheiro para satisfazer as necessidades mais básicas, o povo clame mais depressa por Guimarães do que por Bruxelas.
Se isso acontecer, voltaremos a estar bem perto do precipício…