Há vários anos que, no dizer dos portugueses, cada Natal é pior do que o anterior o que os levaria a serem mais contidos nas despesas. Como de costume, vezes houve em que se aplicou o ditado "olha para o que eu digo, não para o que eu faço". Pelo menos desde 2010, porém, os actos têm correspondido às palavras para mal de muito pequeno comerciante que "salvava o ano" nesta época festiva. 2013 pode voltar a ser um ano de incoerência: os portugueses, esses, continuam a dizer mal da vida mas, de acordo com os dados mais recentes, voltaram a gastar mais. Segundo uns, mais alinhados com o Governo, por as políticas estarem a resultar. Em alternativa, será uma cortesia do Tribunal Constitucional (TC) que, segundo a Oposição, ao impedir mais cortes nos subsídios ou pensões dos funcionários públicos, melhorou as expectativas. No meio deste "bate-boca", de uma maneira ou de outra, com mais ou menos protesto, os portugueses foram aprendendo, parece-me, com os erros do passado. Tempos houve em que quisemos mudar o mundo. Progressivamente, fomos substituindo essa vontade de mudança fundamental por coisas mais materiais e imediatas: deixamos de querer mudar o mundo para nos contentarmos em mudar de telemóvel, de automóvel ou de carro. Rendemo-nos ao efémero. Cedemos na temperança. Com uma desvantagem: essas mudanças custavam dinheiro. Perdemos valores, ganhámos dívidas, numa contabilidade em que o saldo é duplamente negativo.
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O ajustamento, chame-se-lhe austeridade ou outra coisa qualquer, era inevitável, todos o entendemos. Empresas e famílias haviam-se endividado até níveis insustentáveis, com o patrocínio ou a complacência do sistema financeiro internacional e, no nosso caso, das entidades europeias. Nem isso desculpa a imprudência, comprada na feira das ilusões montada por um sistema político incapaz de falar verdade. Houvesse o Estado dado o exemplo, tudo seria menos difícil. Não foi, ou fez, assim e, quando tocou a rebate, puxou das suas prerrogativas e passou a batata quente para os cidadãos, aumentando, para níveis penosos, a carga que, por força dos seus actos e omissões, estes já teriam de suportar. Pela sua natureza, pela sua dimensão e pelo papel central que desempenha, mesmo que fosse possível fazer o ajustamento do défice público todo pelo lado da despesa, as repercussões sociais seriam sempre muitas e marcantes. A forma como viria a ser feito reflectiria, forçosamente, as opções políticas e ideológicas de quem fosse governo. Esperava-se, contudo, o respeito por valores que se davam por adquiridos. A começar pela protecção dos mais fracos, desvalidos e desfavorecidos. Bem basta o fardo da austeridade. Imperdoável é que ainda se agravem as disparidades, que a justiça não seja dela um princípio orientador.
Ao contrário do que alguns promotores de amanhãs que cantam pretendem fazer crer, as provações vão continuar. Não é tempo, ainda, de bonança. O bom senso sugeria, desde o início, e, por maioria de razão, continua a sugerir, moderação: um ajustamento com peso e medida, que não esmague ou asfixie e que, repito, respeite o sentido de justiça. Algum alívio na actividade económica resultante, mais do que do crescimento das exportações, do aumento no consumo privado, depois das decisões do TC, evidencia que se terá ido longe demais na austeridade. Só que o caminho certo também não passa pelo regresso à despesa desmesurada. Vão ser precisas força e determinação para perseverar na sobriedade, sem o que não libertaremos os recursos necessários para nos tornarmos auto-suficientes, para não depender do estrangeiro mais do que a abertura das economias modernas torna necessário. E vai ser preciso força, ainda e também, para recusarmos a subserviência, para não nos curvarmos perante imposições cegas, de quem faz da política contabilidade.
Crentes, ou não, associamos o Natal a um tempo de esperança e de boa vontade. De paz, irmã da justiça. Se esse espírito não ficar esquecido no sapatinho, 2014 pode ser, de facto um ano Novo. Afinal, Natal é quando o coração do Homem quiser. Feliz Natal!