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Embora de impactos negativos diferentes, o setor imobiliário é um dos grandes responsáveis pelo colapso económico-financeiro de Portugal e Espanha. Durante anos as instituições bancárias promoveram o crédito fácil e barato a qualquer consumidor bicho-careta e outro tanto se passou com o mundo da construção civil, das empresas maiores aos chamados patos-bravos. Uma tal política conduziu ao desastre dos dois lados da fronteira. As entidades bancárias lamuriam-se, os cidadãos vivem de pescoço atado à corda das dívidas e as empresas da construção civil também entraram em plano inclinado.
A bolha imobiliária tinha tudo para rebentar - e rebentou. Hoje, quer em Portugal quer em Espanha uma boa parte da recessão e da crise é imputada à tolice consumista e há milhares e milhares de fogos habitacionais por vender e para os quais se tentam as mais mirabolantes saídas.
Sob o desígnio dos bons costumes, da boa gastronomia, do sol e do mar, Espanha e Portugal ensaiam agora uma tentativa de escoamento do parque habitacional excedentário. Como? Criando razões atrativas para a venda a cidadãos estrangeiros. De preferência endinheirados.
A competição assanhada Espanha-Portugal estendeu-se, então, do azeite, do futebol ou do hóquei em patins para a oferta imobiliária. Mas com diferenças apesar de tudo elucidativas.
Para chamariz, especialmente a russos e chineses, a Espanha anunciou, entre outras, a benesse de autorização de residência a cidadãos que invistam 160 mil euros na compra de uma habitação. E Portugal não é de modas: "responde" com o anúncio de um "road show" a realizar em Inglaterra, Alemanha, França, Rússia, Suécia e Holanda, destinado a cativar novos moradores em espaço luso em troca da compra de um imóvel a partir dos 500 mil euros, dando-lhes também visto de autorização de residência a que acrescenta vantagens fiscais no caso de optarem por receber pensões em Portugal.
Fica, assim, escancarada uma primeira diferença: em Espanha, esboça-se a atração da classe média enquanto por cá o projeto não é de modas: é para ricaços!
Na tentativa de escoar o stock de seis a dez mil casas prontas para venda - e há projetos aprovados para mais 60 mil! - o programa agora anunciado não deve ser criticado só porque sim. Mas dá que pensar, sobretudo pela inclinação para uma megalomania através da qual é notória, mais uma vez, a desvalorização da chamada classe média.
Diogo Gaspar Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Resorts, assinalou ontem que "o turismo residencial é 'o petróleo de Portugal'", razão para acreditar no sucesso desta operação.
Será preciso ver para crer como S. Tomé. Até lá fica a ideia de que um dia destes em Portugal é melhor ser estrangeiro do que cidadão nacional (a este agravam-se todos os impostos, incluindo o IMI). E não faltará tudo para se poder promover a aquisição por forasteiros do parque residencial em excesso graças a um outro slogan: "Venha, venha!, há sempre um desempregado pronto a servi-lo por uma uva mijona!".