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Escreve-se sem honra ou respeito pelo passado. É tudo poeira, espetáculo e superfície. Podemos fazer da nossa vida uma soma de desejos concretizados, mas ninguém se lembra do que dissemos ontem ou anteontem, só o hoje conta, amanhã é sempre longe demais - como diriam os Rádio Macau. Isto a propósito da possibilidade de falência do grupo de comunicação fundado por Pinto Balsemão. Toda a gente passou a ter opinião sobre a sua decadência, falta de visão ou incapacidade de entender que devia ter saído no momento certo. Há agora negociações em curso, talvez a possibilidade de oferecer o controlo a grupos estrangeiros, de tentar salvar um porta-aviões que inclui o "Expresso" e a SIC. O grupo que revolucionou o jornalismo e o modo de comunicar, o grupo que nasceu na "Primavera Marcelista" para ser o fio do horizonte de uma ideia de liberdade, o projeto de comunicação que mais influenciou a democracia e que soube ser oposição a governos, mesmo ao Executivo em que o seu proprietário era o primeiro-ministro... é o grupo que agora não tem armas para se opor à morte de um tempo. Mas como tantas vezes na história, a vítima é um dos principais culpados do estado a que chegámos. O combate pelas audiências, a apologia do presente e a transformação da política num exercício de sound-bytes e fast-food é uma herança que também tem a sua marca. De tanto desejar ser futuro, ou de tanto querer não se prender ao passado, Balsemão ficou, como todos, prisioneiro do presente. É cruel e injusto, mas é o que é.