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Estamos a pouco mais de um mês de eleições europeias, num momento em que só o otimismo patético de alguns pode considerar que elas acontecem num momento em que, após uma crise grave e erradamente tida como meramente circunstancial, a União Europeia está a ressurgir a caminho da fulgurância aparente de há uma década. Pensar assim é duplamente perigoso. Porque os sinais de melhoria ainda são ténues e pouco sustentados. Porque os avanços reformistas da União, os destes anos de crise, foram muito mais para dar resposta a situações agudas de disfunção iminente do que para recuperar da letargia imobilista pós-Delors e da institucionalização do euro. Assim, pela primeira vez, estas eleições devem ser levadas muito a sério. Pela minha parte, acompanharei os seus resultados e o quadro subsequente com atenção e preocupação. Infelizmente, dada a forma como a maioria dos interlocutores se está a posicionar no debate, a minha atenção e interesse estarão muito mais centrados na esperança de que no caos anunciado se reacenda um farol de lucidez, do que no entusiasmo que me suscitam os interventores por essa Europa fora. Vejo um centro e uma direita amarrados à cartilha liberal e tecnocrática que ainda não entendeu que os seus dogmas são, no mínimo, questionados e incompreendidos pela maioria dos cidadãos. No centro-esquerda, há para todos os gostos. Desde os que fazem o discurso irracional que mimetiza as ideias delirantes do que ainda subjaz do estalinismo envergonhado - alguns desses no próprio PS português -, aos que, como o primeiro-ministro italiano, já vendem as ilhas e quiçá, um dia destes, o Vaticano, para resolver o problema do défice público, até ao PS francês, cuja divisão parlamentar é radical e substantiva - vai de um "merkelismo" envergonhado ao limite de mandar às malvas o Tratado Orçamental e as regras impostas por Bruxelas. Dos extremos nem vale a pena falar. Sempre a mesma cartilha, risível, previsível e sem interesse, que se resume numa frase: "Não pagamos, não pagamos"!Os grandes temas, os que escaldam, esses serão o que me mobiliza as tais curiosidades e atenção para o pós-eleições. Será que haverá a coragem de questionar uma globalização que só beneficia as multinacionais do centro europeu e que tem a generosidade de permitir, sem contrapartidas nem regras, que os europeus paguem numa única geração a fatura deixada pelos erros de décadas de muitos dos países ditos emergentes? Será que haverá o bom senso de não separar o projeto europeu da perenidade de um Estado social generoso e equitativo, que é a verdadeira marca identitária da União?
Mas neste vetor da discussão, para que seja séria e consequente, será exigível que alguns ponham a mão nas consciências e percebam que excessos patéticos e irrealistas, como os rendimentos mínimos, os períodos excessivos de proteção ao desemprego ou os milhões despendidos em "novas oportunidades" que a quase ninguém aproveitaram, constituíram misturas explosivas que ajudaram a dinamitar a própria ideia de Estado social. Mas se esta crítica expectante é aplicável à Europa, a outro nível ela tem que se aplicar ao nosso próprio país. Independentemente de quem vença, de quem lidere, dos timings dos processos eleitorais futuros, é obrigatório avançar com a tal falada "reforma do Estado". No fundo, a transformação periódica que todos os estados devem fazer para se irem adaptando às mudanças civilizacionais e à própria caducidade, normal, das suas próprias instituições. Só que cá, como na Europa, é preciso ter a coragem de ir ao osso e de nada ficar por debater. Será que precisamos de um Parlamento com 230 deputados? Será que, estabilizada a democracia, ainda faz sentido o atual sistema semipresidencial? Será que necessitamos de mais de 300 municípios? Será que devemos ter duas forças de segurança com matrizes diferentes a cobrir todo o território? Será que a livre escolha - que defendo - entre prestador público e privado de saúde não deve obrigar a uma imediata separação total das águas entre ambos os setores? Será que alguns dos investimentos faraónicos ainda previstos no próximo QREN não deveriam ser concentrados num enorme projeto de desenvolvimento competitivo do interior - duas a três horas mais próximo dos mais de 40 milhões de consumidores que ainda não soubemos cativar na vizinha Espanha? Esperemos pois pelo início do verão, sem expectativas excessivas, mas com a esperança de, parafraseando o populista humorista recém-eleito deputado federal no outro lado do Atlântico: "Votar vale a pena e não perder a esperança também, porque pior não fica". A democracia e o voto popular são sempre a melhor e a única solução defensável. Apesar de todos os seus defeitos.