Vilar de Maçada, 20 de setembro de 2027: chega mais um autocarro apinhado de estudantes vindos de Lisboa, em busca de um quarto numa das residências universitárias que estão a rebentar pelas costuras. A maioria acabará por não ter sorte, e terá de se contentar com um colchão suspenso entre dois armários, pela módica quantia de 450 euros mensais.
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É assim desde que a Universidade de Trás-os-Montes se tornou mais desejada do que Oxford e Harvard juntas. Não param de chegar alunos de todos os pontos do país. A movida de Vilar de Maçada e das vilas vizinhas é um dos grandes atrativos para a população mais jovem. O antigo café central foi transformado em discoteca, e as noites dedicadas às Festas de "Erasmus Interior" são míticas, com muita espuma e muitos shots de absinto à mistura. A velha tabacaria da Dona Adélia foi transformada em loja de trajes académicos, e a Dona Adélia é a única reformada que resta em Vilar de Maçada. Os outros foram embora, porque não tinham paciência para aquela coisa da "mulher gorda, a mim não me convém", dia e noite. Reclamam agora a criação de um programa que ajude as populações envelhecidas do interior a fixarem-se no litoral.
É assim o futuro imaginado por António Costa e que, pelos vistos, Rui Rio imaginou primeiro. Esta discussão para decidir quem inventou, afinal de contas, o brilhante "Erasmus Interior" faz-me lembrar um bate-boca entre Jorge Jesus e José Mourinho, reivindicando ambos a descoberta de Anderson Talisca, como se isso equivalesse à descoberta do caminho marítimo para a Índia. Eu, no lugar de Rio, deixava António Costa passar por original na apresentação deste "vá para fora cá dentro" versão estudantes. E, no lugar de Costa, tinha mantido a opinião que aparentemente tinha em março, quando a proposta do PSD foi chumbada no Parlamento, por PS e companhia.
O mais irónico é que já existem efetivamente dois programas que promovem a mobilidade interna de estudantes de universidades e institutos politécnicos (também ninguém manda o Conselho de Reitores desenvolver isto e não anunciar com pompa e circunstância, num qualquer comício ou arruada). Parece-me que estes programas carecem de bom marketing, para se tornarem mais apelativos. Rui Rio e António Costa podiam juntar-se e trabalhar nisso. Afinal, é um programa escrito a quatro mãos (ainda que em diferentes tempos). No fundo, é como quando resolvemos comprar um novo aparador lá para casa e, de repente, descobrimos que há um na arrecadação, que basta polir e pintar para ficar como novo. Talvez dar-lhe o nome de um ilustre filósofo possa ajudar. Ao programa de mobilidade, não ao móvel da sala. Sócrates é melhor não. Não só porque já há um programa com esse nome, mas porque podia levar os estudantes a achar que teriam de ir para a Universidade da Beira Interior aprender Engenharia Informática com recurso a um Magalhães. Talvez "Programa Pitágoras". É um filósofo suficientemente mainstream para todos conhecerem. Até eu, que só tinha positiva a Matemática por ter decorado aquela lengalenga da soma dos catetos.
"Não sentiria o que sinto por esta região se, em 1979, não tivesse estado aqui na então Pensão Cabanelas durante quase um mês", disse o primeiro-ministro, ao apresentar o Erasmus Interior em Vila Real. Ainda bem que, nos anos 70, António Costa não passou quase um mês num hotel em Palma de Maiorca, senão agora tinha como desígnio enviar magotes de universitários portugueses para lá.
Confesso que quando ouvi falar, pela primeira vez, em "Erasmus Interior", pensei que se tratasse de mais um bizarro conceito da autoajuda, uma viagem em busca do nosso eu mais profundo. Do mal o menos, trata-se só de enviar caloiros para faculdades distantes das grandes cidades. O que, no fundo, já acontece. A diferença é que agora só vão os que tiveram uma péssima média no Secundário. Concordo que o interior também merece receber os mais espertos. E os mais espertos merecem comer umas boas alheiras de caça em vez de massa com atum.
20 valores
Para a Polícia Judiciária, que foi esta semana injustiçada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que a acusou de não ter feito um bom trabalho de investigação no caso e-Toupeira. Não deve ser fácil fazer buscas em casa de alguém que é informado a esse respeito com antecedência. Dá tempo para esvaziar os cofres, deitar fora as provas que estavam debaixo do tapete e tirar os esqueletos do armário. Até a Rosa Grilo se teria safado se a avisassem a tempo e horas. As buscas são como as festas de aniversário: têm muito mais impacto quando são surpresa.
*Humorista