O Governo cumpriu ontem mais uma etapa do seu anunciado Plano de Emergência Social, modo espampanante de rotular alternativas destinadas a minimizar a vida difícil por que passam milhões de cidadãos de um país atolado numa crise sem precedentes.
Corpo do artigo
Após a incrementação do Passe Social +, realizada no limite da entrada do mês de Setembro e de forma destrambelhada - o facto de os descontos na Região de Lisboa serem percentualmente superiores aos da Região do Porto são apenas uma minudência se se tiver em conta a exclusão de princípio idêntico para outras zonas, como Braga ou Coimbra - ontem foi revelada segunda decisão destinada a funcionar como almofada aos mais carenciados: descontos no agravamento do IVA (de 6 para 23%!) previsto para o próximo mês nas facturas da luz e do gás.
Em ambos os casos é compreensível o perfil baixo exigido para se beneficiar da "esmola". Mas para os dois exemplos é apontado um mecanismo que apensa ao lado burocrático um ferrete social... público: exigência de apresentação de declaração de IRS do ano anterior ou declaração da Segurança Social - ainda assim algo menos traumático do que as declarações de pobreza atestadas sem critério e fiscalização por juntas de freguesia.
O esquema, por si, coloca no limiar da assunção pública da vergonha milhares de cidadãos. Mas também é bem capaz de ajudar alguns malformados alimentadores da chamada economia subterrânea (em crescimento).
Quando se agudizam os níveis de pobreza no país, justificam-se, naturalmente, decisões destinadas em tese a minorar o sofrimento. Sendo o óptimo inimigo do bom até são de considerar bem-vindas todas as tentativas de manutenção das pessoas em patamar mínimo de dignidade...
Dentro do princípio-base esquematizado para o Plano de Emergência Social estão calendarizadas outras acções, do mercado social de arrendamento à distribuição gratuita pela população pobre de medicamentos a seis meses do final do prazo de validade - e como em Portugal se alimenta sem critério a indústria farmacêutica, amontoando-se caixas e caixas de remédios nos armários de milhares e milhares de famílias!
Reafirme-se: seria uma pataratice desprezar algumas das políticas sociais previstas pelo Governo. Bater-lhe palmas a duas mãos é que já pertence a outro domínio, pois o modelo programático de sociedade defendido pelos partidos detentores do actual poder não se adequa ao estrito accionar de sistemas de protecção meramente assistencialista.
D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal, foi quem agora terá resumido melhor o dilema das actuais práticas governamentais. Uma das mais insuspeitas vozes da Igreja portuguesa foi taxativa em entrevista ao "Expresso": "Eu não admito um Estado assistencialista; era como se o Estado fosse o director de um asilo. [...] Se com o dar se pode estar a fazer uma acção necessária, como o modo de dar pode estar a ofender-se a pessoa". Eis o ponto essencial.