O Grupo de Trabalho para as Infraestruturas de Elevado Valor Acrescentado (GT IEVA), nomeado pelo Secretário de Estado Sérgio Monteiro, produziu um plano de investimentos em infraestruturas consideradas prioritárias para o desenvolvimento económico e social do país. Face à costumeira opacidade nas grandes decisões que consomem recursos financeiros do país, a iniciativa prometia ser positiva. Contudo, há detalhes no processo que revelam que os hábitos antigos estão para ficar e que os interesses centralistas foram devidamente acautelados.
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O estudo começa por postular que o objetivo é potenciar a competitividade da economia sem comprometer a coesão territorial. Focado nas infraestruturas ferroviárias, rodoviárias, aeroportuárias e marítimo-portuárias, elege à partida privilegiar a carga face aos passageiros. A metodologia multicritério adotada, que avalia o mérito relativo de cada um dos projetos considerados para, por fim, gerar uma lista de prioridades de investimento, é adequada mas requer alguns cuidados para evitar um resultado contaminado. Dizem as boas práticas que só se compara o que é comparável e que a avaliação do mérito de cada projeto implica um juízo colegial das diferentes sensibilidades relevantes.
Ora o que aconteceu é que foi aplicado um quadro de critérios igual para projetos muito diversos. Não é aceitável avaliar pela mesma bitola o projeto de melhoria das condições de acesso de maiores navios ao porto de Aveiro, no valor de 1 Meuro, e o projeto do novo terminal de contentores de águas profundas do porto de Lisboa, no valor de 600 Meuro. E também não é comparável um projeto de impacto infrarregional, como a modernização e eletrificação da Linha do Minho, entre Nine e Valença, com um projeto de impacto suprarregional ou nacional como o plano de modernização da Linha do Norte.
A declarada boa intenção de salvaguardar a coesão territorial, afinal a razão pela qual recebemos os 21 mil milhões de euros de fundos de coesão que ajudarão a financiar os referidos investimentos, fica fortemente comprometida pela má utilização da metodologia de avaliação. Seria necessário categorizar a priori os projetos por categorias de investimento e por incidência territorial, justamente o que não foi feito.
A segunda grande fragilidade do exercício decorre da própria constituição do GT IEVA, com implicações ao nível do elenco de projetos submetidos a apreciação e da própria avaliação de cada um deles face aos critérios. A não inclusão das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, sobretudo das regiões de convergência (Norte, Centro e Alentejo), é suficientemente grave para não ser intencional. Estes são os atores que detêm o olhar mais equilibrado entre o local e o nacional, e aqueles que melhor elencam as necessidades de investimentos infraestruturais orientados para o desenvolvimento e a coesão. Mas o Governo, ao invés de ouvir o lado da procura, que incluiria também as associações empresariais de âmbito regional, preferiu privilegiar a centralidade das entidades do lado da oferta, como as Estradas de Portugal, a CP e a Refer.
Com a inclusão dos atores regionais, as 238 intenções de investimento indicadas pelos membros do GT IEVA, que de resto foram à partida cortadas para 89, poderiam ter sido outras, mais ajustadas às necessidades. E, mais importante, o painel de avaliação de cada projeto teria sido enriquecido com a visão regional.
No futebol existe a figura informal da "arbitragem habilidosa", que consiste em alterar o resultado de um jogo através de pequenos detalhes de avaliação que vão mudando o curso dos acontecimentos. Pois eu acho que o exercício do GT IEVA, aparentemente transparente, foi também "habilidoso", no sentido em que incluiu os tais detalhes que garantiram a contaminação do resultado final, de que é bem simbólico o escandaloso projeto do terminal de contentores de águas profundas do porto de Lisboa, que custará a todos nós a enormidade de 600 Meuro. Há que travar mais esta loucura centralista.