Plano Delors, Europa 2030 (1ª fase)
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Apresento hoje, 5 de junho, em Faro o meu livro “Europa 2030, o futuro do projeto político europeu” (Edições Sílabo). Aproveito esta oportunidade para uma breve reflexão sobre o que considero ser, nas atuais circunstâncias, uma exigência europeia, a saber, um Plano Delors no horizonte 2030, (1ª fase), administrado por uma estrutura de missão que os Estados membros e as instituições europeias decidem, excecionalmente, pôr em prática para “escapar” à atual fase de saturação e fadiga do projeto político europeu. Ao dizer isto, busco inspiração nos escritos de Mariana Mazzucato sobre os “bens comuns e os governos de missão”.
Numa conjuntura geopolítica como a atual, a proposta de um Plano Delors procura resolver um problema e uma dúvida existencial, a saber: queremos um Plano Marshall para o pós-guerra ou um Plano Delors para prevenir uma guerra que parece estar cada vez mais iminente em toda a Europa?
A resposta parece-me óbvia, por isso, recorro ao meu livro (páginas 157-160) para elencar os grandes desafios desta década que são outros tantos bens comuns europeus e globais, se quisermos, uma agenda europeia, um Plano Delors, para já numa primeira fase até 2030. Na história recente da Europa sempre foram os fatores externos a determinar os grandes momentos do projeto europeu. Hoje, os bons pretextos abundam: as migrações, as alterações climáticas, as pandemias, os estados falhados do Médio Oriente e do Norte de Africa, a guerra russo-ucraniano, as implicações do neoprotecionismo global, o cibercrime e o terrorismo internacional, a estagflação, para citar apenas alguns.
Nestas circunstâncias geopolíticas severas um primeiro bloco de bens comuns europeus remete-nos para uma visão mais orgânica e estruturada de soberania partilhada onde se incluem a carta dos direitos fundamentais e a preservação do modelo social europeu, a coesão territorial e a cobertura dos grandes riscos a nível europeu.
Um segundo bloco considera os bens comuns de natureza mais instrumental, a saber, a natureza, dimensão e funções do orçamento da união política, onde se inclui a tributação própria, em seguida, o papel do banco central com as funções de reserva federal e, por último, a criação de um fundo monetário europeu e de um mecanismo de gestão da dívida pública europeia conjunta com o duplo objetivo de providenciar maior estabilidade
financeira aos Estados membros e mais recursos financeiros à União Europeia junto dos mercados internacionais, numa lógica mais autónoma e federal.
Um terceiro bloco de bens comuns reporta-se à coerência e consistência de um conjunto de relações fundamentais, a saber, as novas regras de condicionalidade e o futuro da política de coesão pós-2030 (1), a regulação efetiva das externalidades geradas pelas grandes transições que têm efeitos assimétricos sobre muitas regiões e países (2), a efetividade da nova política industrial europeia se os europeus estiverem dispostos a pagar os custos de oportunidade que ela representa (3), o desenvolvimento de uma efetiva política europeia de cidades e regiões, isto é, de uma genuína Europa das Cidades e Regiões.
Um quarto bloco de bens comuns, onde se inclui a política externa e de segurança e a defesa comum, sendo de realçar nesse contexto as relações com a Rússia, o Grande Médio Oriente e o Mediterrâneo e, agora, também, as relações transatlânticas após a saída do Reino Unido e, mais longe, o Indo-Pacífico. Por paradoxal que possa parecer, estes fatores externos não são apenas ameaçadores para a Europa, podem ser, também, uma fonte e um pretexto unificadores, como agora se comprova com uma nova guerra fria junto à fronteira leste europeia. A formação de uma União para o Mediterrâneo pode desempenhar, neste contexto, também, um papel configurador e moderador de grande relevância geopolítica e geoestratégica. E, no futuro próximo, acrescente-se, uma nova política de vizinhança e cooperação com a Federação russa, o Médio oriente e o Norte de África é absolutamente central para a paz e o desenvolvimento nesta grande região.
Como facilmente se comprova, uma restrição fundamental que condicionará toda a política europeia no futuro próximo será o financiamento da política externa e de segurança comum, onde se inclui a defesa, que irá exigir, doravante, um volume muito mais substancial de recursos financeiros, se quisermos evitar que os riscos globais não se transformem rapidamente numa tragédia dos comuns. Para tal, teremos de mobilizar em conjunto as contribuições dos Estados membros, os recursos próprios do orçamento da união, os empréstimos financeiros do mercado internacional e os recursos monetários da futura reserva federal.
Finalmente, uma última reflexão sobre os riscos do próximo alargamento e o seu impacto no futuro do projeto europeu. No passado dia 6 de outubro de 2023, na cidade espanhola de Granada, reuniu-se o Conselho Europeu em modo informal e um dos pontos
em agenda foi a adesão da Ucrânia à União Europeia. Em carta dirigida aos membros do Conselho, o Presidente Charles Michel lembrou a próxima Agenda Estratégica 2024-29. Escreveu ele:
A União Europeia enfrenta desafios consideráveis, tanto a nível económico como geopolítico. À medida que o nosso mundo evolui, está a tornar-se mais instável e complexo, o que nos obriga a reforçar a nossa ambição estratégica. Que tipo de potência geopolítica e económica queremos ser a longo prazo, com possivelmente mais de trinta Estados-Membros? Para defender as nossas democracias e os nossos valores e garantir uma paz e prosperidade duradouras em benefício dos nossos cidadãos, a União Europeia tem de dispor de orientações e prioridades políticas gerais.
Cabe-nos defini-las em quatro grandes vertentes: consolidar a nossa base económica e social (transições ecológica e digital, competitividade, inovação, saúde); dar resposta ao desafio energético; reforçar as nossas capacidades de segurança e defesa; e aprofundar o nosso diálogo com o resto do mundo. É também imperativo reforçar a nossa abordagem global em matéria de migrações. Estes são apenas alguns dos temas que desenvolveremos. E as eleições europeias oferecerão aos cidadãos europeus uma oportunidade para desempenharem plenamente o seu papel nestes debates cruciais para o nosso futuro comum.
Aqui chegados, a pergunta que se impõe é a de saber se estão reunidas as condições políticas e institucionais para que, no quadro interinstitucional atual, haja lugar a uma ambição estratégica europeia como aquela que é referida por Charles Michel. Como não creio que essas condições estejam reunidas e como também não acredito, na atual conjuntura, em soluções de tipo federal que impliquem uma revisão dos tratados, uma hipótese possível é aquela que é sugerida por Mariana Mazzucato, ou seja, “um governo orientado por missões”, agora incluídas num Plano Delors cuja primeira fase decorreria até 2030. Uma vez definidas as missões a incluir no Plano Delors, as instituições europeias, os Estados membros e o governo de missões estabeleceriam um “regime aberto de coordenação”, um regime de divisão do trabalho para pôr em prática a agenda europeia assim definida. Fica a proposta com a promessa de que voltarei ao assunto.