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Ted Cruz e John Kasich não tinham ainda desistido da corrida para a candidatura republicana às presidenciais nos Estados Unidos, quando o jornalista e escritor Andrew Sullivan publicou um artigo sobre o "Fim da democracia", no qual considera que a América está mais exposta do que nunca à tirania. Recuando a Platão, enuncia os riscos da total abertura democrática, que acaba por implicar dar voz aos seus contrários. E considera Donald Trump um dos sinais da entrada num período pós-democrático, em que o discurso xenófobo, estigmatizante e cheio de conceitos totalitários encontra um espaço inesperado de aceitação.
Metade dos EUA e uma parte eventualmente maior do Mundo está em choque com o percurso do candidato republicano. Há boas notícias neste choque, claro. Uma delas é que inclusivamente eleitores republicanos ponderam vir a votar em Hillary Clinton, que as sondagens apontam como mais bem colocada para vir a ser a primeira mulher presidente dos Estados Unidos. E as reações inflamadas mostram que talvez não estejamos tão adormecidos ou expostos à tirania como Andrew Sullivan previu.
Dramatismos à parte, é inegável que a projeção de Donald Trump é um caso de estudo do ponto de vista da teoria política. E acaba por comprovar a argumentação de Platão. À medida que se aprofunda, a democracia dá mais espaço às diferenças. E nesse aprofundamento há tanto de virtualidade criadora - é o caso da vitória de Sadiq Khan para a Câmara de Londres - como de multiplicação de fenómenos que ameaçam a própria democracia. A Europa vive esta mesma contradição com a proliferação de partidos extremistas e nacionalistas.
Para complicar a equação, também o poder dos média e o espaço público se alteraram muito rapidamente. À medida que se democratizou o acesso ao espaço público, não apenas se ganhou capacidade de participação cívica. Ganhou-se igualmente voz para reações epidérmicas e tantas vezes antidemocráticas.
As redes sociais e a impulsividade das opiniões estão carregadas de riscos. Podem ser dominadas por personalidades como Barack Obama, o primeiro a mudar por completo a forma de fazer uma campanha, conquistando os eleitores com o forte carisma e um discurso humanista e multicultural. Mas podem igualmente ser usadas para propagar discursos populistas e demagógicos, que ameaçam conquistas anteriores.
Se há algo que Donald Trump demonstra, é que a democracia não está nunca plenamente adquirida ou completa. Pode ser corroída por dentro. Tal como os meios de comunicação não se tornam mais democráticos à medida que se massificam. De que forma os riscos de um e outro andam de braço dado, é a reflexão que vale a pena fazer. Cada vez mais.
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