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A grande dificuldade, uma das grandes dificuldades, do ano que aí vem está presa à mais dura realidade. Que é esta: como explicar ao comum cidadão que a saúde do país melhorou, quando vivemos (quase) todos com menos, em muitos casos com muito menos e noutros casos com aquele tão pouco que transforma a miséria em gémea da indignidade? "Não se trata, aqui, de sujeitar os factos à peneira do tempo. É verdade que esse utensílio faz com que o passado e o futuro nos pareçam sempre melhores do que efetivamente foi e será. E que o presente nos pareça sempre pior do que verdadeiramente é. Aqui trata-se de reconhecer que a linha que cose passado, presente e futuro é de uma aflitiva continuidade. Todos os pontos terminam num nó que fecha qualquer coisa. Ocorre que esse nó é górdio. Que esse nó se instalou na nossa garganta coletiva. Ou no nosso espancado e dorido estômago.
"O sistema não olha às pessoas porque supervaloriza o dinheiro e para obter o lucro é capaz de cilindrar pessoas. Algumas aguentam, outras suicidam-se. Isto está um pouco oculto na vida pública, mas a verdade é que há gente que não aguenta o drama e suicida-se". A palavra-chave está na entrevista concedida ao JN por Jardim Moreira, padre que lidera a Rede Europeia Anti-Pobreza. A palavra-chave, pronunciada para o gravador da jornalista Paula Ferreira, é: drama. É preciso olhá-la de frente, sem dramas.
O drama de 2014 será diferente do de 2013? Não será, porque, paradoxalmente, 2014 não é o ano que se segue a 2013: é tão-somente o ano que prolonga o drama de 2013. Tomado por si só, 2014 existe simplesmente enquanto número, não enquanto soma de dias, semanas e meses em que se constroem novos significados e se buscam novos objetivos; não enquanto soma de quotidianos descarregados e/ou libertados de dramas.
2014 é o ano em que os portugueses ficam a saber para que serviu a amargura do passado recente: a economia melhora? as finanças compõem-se? o desemprego inverte a sério? a política muda? os políticos alteram-se? as reformas fazem-se? os privados continuam a escalar a montanha? a responsabilidade - de todos - cresce? o país reencontra--se?
Há uma data tapada com um pionés vermelho no calendário: 17 de maio, dia em que é suposto a palavra troika saltar do dicionário. O país não será outro a 18 de maio. A tensão social permanecerá, porque a austeridade continuará. A tensão política crescerá, porque um novo ciclo eleitoral começará. Caminharemos para o "pós-troika" com pouca ou nenhuma rede. A imagem do país, enfim: somos equilibristas principiantes num circo que oferece pouca segurança e escasso futuro.
Plúmbeas palmas para 2014.