Há uma semana, abri a hipótese de novidades sobre o caso do bonsai que foi parar ao hospital mas não se safou, coitado, e outros factos que atormentaram um lar português: contei-vos como um homem de perna partida negou tudo no tribunal: ter atirado um candeeiro de 1,90 metros à cara da mulher, pois nem teria força para lhe pegar, e também não lançou o vaso da árvore anã japonesa - já seca - pelas escadas do sótão. E que tudo correu mal naquela casa a partir do momento em que foi ele a propor à sua mulher e aos dois filhos que a mãe e avó destes, portanto a própria sogra do homem, fosse viver lá para casa!, que é das coisas mais insólitas que ouvi nos milhares de expedições às selvas jurídicas de Portugal.
Mas uma semana depois fui ouvir o depoimento da mulher e aqui estou a cumprir a promessa. Uma coisa verdadeira disse o homem, porque a mulher, de quem se está a divorciar de vez, a confirmou:
- Os meus filhos foram contra a opinião do próprio pai de a minha mãe ir viver lá para casa. Os meus filhos ficaram sem falar com o pai durante algum tempo. Aliás, a minha filha ainda não fala com o pai... ou o pai não fala com a filha...
Era uma mulher de rabo de cavalo e voz suave, cansada, vale a pena ouvir alguns farrapos da conversa. Por exemplo, quando morreu o pai dela, perguntou ao marido se tinha sugestão para as cerimónias fúnebres e este
- Não quero saber de nada!
e a ela surgiu-lhe esta frase no centro do cabeça:
- Se não estiveres comigo nisto, não conto contigo para nada. Pensei ainda, tens que avançar, tens que te separar.
Vou repetir outras frases e conversas da mulher no tribunal com a procuradora, a juíza e o advogado do marido:
- A maior parte do casamento foi assim: vinha jantar e voltava para o escritório.
- E quanto ao candeeiro, que foi o ponto de viragem?
- Ele começou por perguntar: onde é que estão os binóculos, vai buscar os binóculos!!!
- A senhora vê o candeeiro a vir para si?
- Vejo o candeeiro a vir na minha direcção.
- Alguma vez pensou que ele lhe fizesse isso?
- Nunca pensei, até porque há determinadas coisas que realmente... Ele nem sempre foi assim violento. Sempre foi assim com algumas coisas. Tolerâncias zero, mas tem vindo a piorar.
- Já percebi que em muitas ocasiões a senhora se continha. Como é que resolvia estas situações?
- Ele próprio não vinha jantar durante dois ou três dias seguidos. A nossa casa é muito perto da pastelaria e do escritório. Depois vinha mais calmo. Eu perdoava. E ele voltava ao mesmo.
- A minha dúvida é se a senhora tinha de estar sempre a acalmá-lo.
- Nós tínhamos esse cuidado. Eu acho que sou uma pessoa bastante calma e optimista. Os meus filhos, aos poucos, começavam a aperceber-se do que se passava lá em casa. E também falavam no divórcio.
- Não é muito normal os filhos pedirem isso, disse a procuradora.
- Sim, é normal os filhos quererem os pais juntos.
No dia em que levou com o candeeiro na cara, deixando-lhe uma marca que não podia esconder, a mulher foi a pé para o Hospital de S. José. Mas só fez queixa de agressão mais tarde, por vergonha.
- É uma vergonha ir ao hospital por isto. E estar hoje aqui também.
- Voltamos ao início: o bonsai era de quem?
- Foi uma prenda que ele me deu.
- E o que é que lhe aconteceu?
- Ele atirou o vaso pela escada do sótão.
- E o bonsai, não terá ido para um hospital?
- Não sei, ele ficou seco. Não me lembro sequer.
Portanto, a certa altura toda a gente, fosse pessoa ou árvore anã, acabava no hospital. E de pinheiros de Natal bonsai não sei, mas boas festas a todos.

