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Aconfirmação da vitória de Alexander van der Bellen nas eleições presidenciais austríacas constitui um sinal de esperança e convida a uma reflexão séria sobre os caminhos que possam travar a desagregação da Europa e evitar a ruína que ameaça o projeto europeu. O Presidente, agora eleito por uma ampla maioria, já tinha vencido as eleições em maio de 2016. Contudo a margem da vitória foi tão modesta que permitiu ao candidato derrotado, da extrema-direita, impugnar o escrutínio e conseguir a repetição da segunda volta, a 4 de dezembro. O novo Presidente é um antigo socialista e dirigente dos "verdes", apresentou--se às eleições como candidato independente e venceu na segunda volta com o apoio dos eleitores socialistas e democrata-cristãos - os dois maiores partidos - cujos candidatos sofreram derrotas humilhantes que os afastaram da corrida eleitoral. Alexander van der Bellen é um adepto do projeto europeu, é um ecologista, fez campanha em defesa do acolhimento dos imigrantes e apresentou-se aos eleitores como um descendente de refugiados. A lição é clara! Para merecer a confiança dos cidadãos, a Esquerda tem de assumir com frontalidade os seus valores e as suas causas, tem de compreender os problemas que afligem as pessoas, interpretar os seus receios e formular propostas que respondam às suas inquietações.
Não é o caso do primeiro-ministro italiano. A insensatez de Matteo Renzi - já indiciada pela admiração serôdia que em tempos confessou dedicar a Tony Blair! - foi agora confirmada pelo resultado do referendo em que apostou a sobrevivência do Governo e a redenção do seu défice congénito de legitimidade democrática: Renzi foi nomeado pelo Presidente. Nunca foi a votos. Não é recomendável fazer revisões constitucionais através de referendos nem é admissível chantagear os cidadãos com a ameaça de demissão, para mudar a Lei Fundamental. Ninguém lhe terá contado que Salazar, discípulo de Mussolini, também submeteu a referendo a constituição do Estado Novo, mas só o fez, depois de eliminar os opositores, impor a censura e garantir a impunidade da monumental fraude eleitoral que culminou na contabilização das abstenções como votos favoráveis à institucionalização da ditadura.
Por isso é fácil compreender as apreensões dos eleitores italianos que têm uma constituição que foi desenhada precisamente com o fito de prevenir que a história se repetisse e que um novo Mussolini se apoderasse da república italiana. Além disso, a revisão constitucional proposta por Renzi incluía truques para transformar minorias pindéricas em maiorias esmagadoras, concedendo um bónus de mandatos parlamentares ao partido mais votado. Enfim, essa não é uma forma honesta - nem sequer inteligente! - de responder à indiferença dos cidadãos que reflete uma crescente desconfiança e se traduz em elevados níveis de abstenção. Mas, infelizmente, parece que Renzi nada aprendeu com esta derrota esmagadora.
O mesmo centrismo que tem alimentado a ascensão da extrema-direita europeia e que se resigna, envergonhado, a pactuar com as suas exigências, parece dominar o cenário das próximas eleições presidenciais em França. Com efeito, Manuel Valls, que já abandonou o cargo de primeiro-ministro, emerge como candidato presidencial do centro-esquerda para, em concurso com o candidato do centro-direita - o reacionário François Fillon - se constituírem na melhor alternativa à candidata favorita nas sondagens, a ultrarreacionária, Marine Le Pen. E na Alemanha, os sociais-democratas, reféns da coligação de Governo em que embarcaram com a Democracia Cristã, parecem incapazes de construir uma alternativa de Esquerda a Angela Merkel e ao seu odioso ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble.
Embora a urgência de decisões capazes de operar a mudança de rumo de que a Europa tanto carece se torne por de mais evidente, a conjuntura, aparentemente, não favorece grandes rasgos reformadores, com eleições agendadas para o próximo ano, na Alemanha, na França, na Holanda e, provavelmente, na Itália. Mas persiste a inspiração das eleições presidenciais austríacas e o caso singular, hoje pacificamente reconhecido, do sucesso do Governo português, solidamente apoiado por toda a Esquerda parlamentar.
DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL