A social-democracia que ajudou a fundar o modelo social europeu e a garantir o seu sucesso através da efetiva redistribuição da riqueza produzida deixou de ser salvaguarda de ética contra o capitalismo selvagem? Contra os mercados negros? Contra as máfias organizadas que fogem aos impostos e falseiam o valor do próprio dinheiro?
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Estas perguntas teriam óbvias respostas até aqui, apesar da austeridade ter vindo a ser aplicada forçando o embaratecimento do trabalho até termos socialmente intoleráveis, como no ensaio para modificar a taxa social única no sentido de ir buscar ao bolso dos trabalhadores o bónus a dar aos patrões.
Ontem, porém, o PSD, ou parte do PSD que acredita na bondade e fiabilidade do Excel do ministro das Finanças, deixou de poder dar a óbvia resposta às dúvidas sobre os termos da austeridade que nos está a impor: estamos em estado de emergência.
Porque em qualquer estado, de emergência ou não, os políticos sociais-democratas não podem deixar de honrar o seu compromisso com o modelo redistributivo que obriga os mais ricos a pagarem pelos mais pobres. O que não está assegurado pelos novos escalões de IRS e os aumentos que lhes estão associados.
Nesta edição do JN apresentamos algumas simulações que não carecem de adjetivação e mostram claramente como vai ser acelerado o processo de embaratecimento do trabalho e de empobrecimento das famílias de rendimentos mais fracos.
Um casal, dois titulares, ganhando cada um 820 euros por mês e tendo dois filhos, que pagou 694 euros de IRS em 2012, vai pagar 1431 euros em 2013. Ou seja: um aumento de 106 por cento.
Casal idêntico, mas auferindo cada titular um salário de dois mil euros, terá um aumento de IRS apenas de 26 por cento: de 10 120 para 12 712 euros.
Um casal de pensionistas, dois titulares, sem dependentes, dispondo cada de um rendimento mensal de 1200 euros, irá pagar em 2013 4639 euros, ou seja, mais 86 por cento que os 2496 euros que pagou em 2012.
Casal idêntico, mas dispondo cada de um rendimento mensal de 1400 euros, terá um aumento menor: pagará, em 2013, 5924 euros, 61 por cento acima dos 3672 euros que pagou em 2012.
Não, isto já não é só consequência inelutável da situação de emergência. É a tentativa ideológica de criar um exército de trabalhadores baratos. Muito baratos.
Mas enganam-se os mentores deste plano: quando tiverem trabalho escravo, deixarão de ter empresas competitivas segundo os critérios europeus. E ficarão na história do nosso capitalismo como uns estranhíssimos seres que quiseram inventar a riqueza a partir do empobrecimento.