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Notícia de última hora: "Está descoberto o maior enigma de Portugal: os cidadãos de fora da área do Poder são capazes de ler e interpretar o inglês!". Será humorística uma conclusão assim, escarrapachada com todas as letras, mas dá-se o caso de se somarem coincidências ao divulgar-se estratégias-chave para o país fora da língua de Camões.
O célebre memorando da troika - lembra-se? - foi conhecido dos portugueses em inglês! Não houve o cuidado - nem o respeito - de o traduzir para mais fácil entendimento do comum dos mortais lusos.
Há dias, a encomenda ao FMI de um estudo direcionado para o corte de quatro mil milhões de euros na despesa do Estado, sobretudo nas áreas sociais, de educação e saúde, voltou a ser do domínio público - e até difundido pelos canais do Estado! - na língua de Shakespeare. E na última semana foi a vez da proposta (estudo, em forma eufemística) para sitiar o que ainda resta de país desenvolvido (portagens nas autoestradas) também chegar ao conhecimento do povo em inglês. Técnico e não só.
Mais do que minudências, estas três situações põem a nu estratégias nebulosas marcadas pela falta de coragem e o estender permanente do chapéu aos credores do país.
Quem optar pelo copo meio cheio tem oportunidade de considerar a desnecessidade de produzir informação em português - de preferência sem erros gramaticais - quer para poupar neurónios quer pela universalidade dos problemas; ou por só merecer a análise do poder real, o qual deve ser bem servido por quem faz de conta num protetorado disfarçado e, como tal, sem autonomia decisória. Já o copo meio vazio só pode apontar desrespeito e tentativa enganosa de camuflar políticas de austeridade e empobrecimento.
O bom senso aconselha a opção pela segunda versão. Esconder - retardar - as más notícias ou legitimá--las através de alegados autores estrangeiros está a transformar-se numa moda. Não há outra conclusão séria a retirar. Impõe-se rejeitar sofismas quando se verifica que todos os estudos/propostas caídos em primeira mão em versão inglesa junto da opinião pública são... decisões. Gravosas.
O último caso, o do estudo/proposta de introdução de novas portagens nas autoestradas (14 no Norte, de 16!) é o mais acabado exemplo dos tratos de polé a que os cidadãos portugueses estão sujeitos.
Interessado em sacar dinheiro de tudo quanto mexe (enquanto não morre), o Governo propõe-se sitiar o pouco que ainda resta de um Portugal moderno. Em nome do princípio do utilizador-pagador, prepara-se para cercar o que falta, mas só nas regiões Norte e Centro. E fá-lo em inglês perfeito no beija-mão aos credores. Falta-lhe em sentido de justiça o que lhe sobra em ideologia contraditória, vagueando entre a economia planificada do extinto modelo soviético e um pretenso neoliberalismo.
Se a bancarrota do país é da responsabilidade do PS, o atual Governo é resultante de uma campanha eleitoral na qual PSD e CDS prometeram todo o contrário da aspersão pura e dura dos bolsos dos portugueses - mais de uns do que de outros.
A produção - e divulgação - sistemática de documentos em inglês é o retrato perfeito da perda de liberdade e da incapacidade de reivindicar respeito pela História de séculos. O Governo está sitiado (ou alinhado?) pelos credores e opta pela vingança, sitiando os cidadãos. Sempre é mais fácil dirigir pobres e sitiados.