Enquanto traço distintivo, o pessimismo do ser português tem uma característica: nas situações de maior constrangimento dá lugar a um otimismo pouco compreensível.
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Nada como os comportamentos banais do dia a dia para entender o contraditório.
- "Está bom? Como vai?". Uma pergunta vulgar tem, regra geral, resposta suportada em sílabas sorumbáticas: "Vou indo". "Mais ou menos". "Assim-assim". É isso: é raro o caso de alguém escancarar o sorriso com um "Vou bem!"....
Seguem-se os antípodas.
Quando alguém fica estropiado, adivinhando-se um longo período de recuperação ou mesmo o resto da vida numa cadeira de rodas, os testemunhos de quem assiste ao acidente - ou ao rescaldo - vão todos no mesmo sentido: "Que sorte! Podia ter morrido".
Este posicionamento entre o 8 e o 80 dá, evidentemente, para um balanceamento de vida sofrida no qual se sublima boa parte dos problemas através da saudade, essa palavra sem tradução....
Os tempos correm de feição ao acentuar dessa característica lusa, quase genética.
O recuo na qualidade de vida dos portugueses por obra e graça das atuais políticas restritivas, impondo-se cada vez mais austeridade e menos respaldo nas garantias sociais em nome de uma putativa sobrevivência, contém todos os ingredientes para fazerem germinar mais e mais semblantes carrancudos. E a tal vertente do contraditório bem português....
Fresco e último acabado exemplo: a reformulação da Lei Laboral e, dentro dela, o processo indemnizatório dos trabalhadores em caso de rescisão.
Dando-se de barato a controversa teoria segundo a qual a menor rigidez do mercado de trabalho atrairá as empresas para mais contratação - como se o excesso de custos de contexto, justiça medieval e recessão global não sejam os primeiros bodes expiatórios da crise - a redução dos valores de indemnização dá uma machadada nos horizontes de muito boa gente. O mês por cada ano de trabalho já deu lugar aos 20 dias e segue-se novo plano: 12 dias. De redução em redução até à competitividade cara a cara com as virtudes (vergonhas) dos direitos laborais na China, na Índia ou no Paquistão!
Claro: os portugueses aprofundarão as tais características comportamentais muito próprias.
Não é difícil, pois, adivinhar os próximos capítulos. O primeiro passará pelo famoso "vamos indo"; depois chegará o tempo, como no cenário dos estropiados, do "que sorte!", para quem tiver emprego. A saudade, claro, essa também será potenciada. Já há quem tenha saudade do desemprego a 10% e os 16,3% atuais também entrarão no rol mais mês menos mês....
Pior, muito pior, só há um sentimento: o da resignação.