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Recep Tayyip Erdogan, que lidera a Turquia há duas décadas, parece começar a enfrentar os primeiros sinais de rebeldia. O Partido Popular Republicano (CHP, social-democrata), principal formação oposicionista, venceu de forma clara as eleições autárquicas. O Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, islâmico e conservador), de Erdogan, reconheceu a derrota. A explicação pode estar num fator muito simples: os turcos sentem-se mais pobres. Ou seja, não há autocracia imune à contestação quando falta comida na mesa.
A Turquia enfrenta uma inflação demasiado alta há vários anos e, segundo dados oficiais, os preços continuam a subir 67% ao ano. Há, no mínimo, duas formas de olhar para o problema. A visão populista faz equivaler a inflação elevada a um rastilho que inflama as exigências para uma melhor redistribuição da riqueza. Alternativamente, há a visão focada na “captura do Estado”, culpabilizando-se os líderes de serem incapazes de manter o poder de compra dos cidadãos, apesar do controlo que detêm sobre toda a máquina estatal. Erdogan é penalizado pelas duas visões dos eleitores turcos.
O presidente da Câmara de Istambul, Ekrem Imamoglu, que foi reconduzido no cargo nas eleições de domingo, é o rosto da esperança da Oposição para as eleições presidenciais de 2028. A sua visão mais laica da política pode ajudar a retirar o país de uma contradição.
A Turquia identifica-se como ocidental apenas no sentido militar-estratégico, o que não implica pertencer ao Ocidente em termos político-ideológicos. Erdogan tem mostrado como os líderes que se opõem aos valores liberais e democráticos podem, ainda assim, abraçar o atlantismo. No preâmbulo do tratado fundador da NATO, lê-se o seguinte: “Decididos a salvaguardar a liberdade, herança comum e civilização dos seus povos, fundadas nos princípios da democracia, das liberdades individuais e do respeito pelo direito (...)”.