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Amanhã é dia de reflexão. Detesto este paternalismo oficial, como se os eleitores portugueses, que já são maiores e vacinados, precisassem de ser preservados por via legal da influência deletéria das campanhas, para, no remanso íntimo da sua consciência e do seu lar, ponderarem melhor em quem hão de votar. Amanhã, os jornais e as televisões fingirão que "nada se passa", num artificialismo ridículo que afetará o seu alinhamento noticioso. Até me surpreende que esta tutela profilática, que soa menos a democracia e bastante mais a autoritarismo, não tenha ido ao ponto de criminalizar os dichotes políticos à mesa dos cafés.
Se os partidos mais responsáveis tivessem um mínimo de bom senso aproveitariam o início da próxima legislatura para pôr cobro a este absurdo período de pousio político. E, de caminho, podiam e deviam aprovar legislação que reduzisse drasticamente os prazos longuíssimos que, entre nós, rodeiam a realização das eleições e a formação subsequente dos governos. O país ganharia muito com isso e ficar-lhes-ia grato. Mas não tenho grandes esperanças, confesso. A nossa classe política detesta autorreformar-se.
Sob a atual lei, se esta minha coluna saísse no sábado, teria de escrever qualquer coisa como "pra não dizer que não falei das flores", como era o título irónico da famosa canção de protesto, durante o silêncio de chumbo imposto pela ditadura brasileira. Mas não, a coluna sai hoje e isso dá-me o ensejo de ainda aqui lhes falar das eleições de domingo.
Não tenho muito para dizer, mas o que tenho vou afirmá-lo, sem surpresas, com a maior clareza: vou votar no domingo com o desejo de que António Costa possa vir a ser o próximo primeiro-ministro de Portugal. Porquê? Porque, sinceramente, considero que ele é, a uma grande distância, a pessoa mais bem preparada para dirigir o país nos tempos que aí vêm, tendo para isso apresentado um programa sólido e responsável. Conheço-o dos mais de cinco anos em que fui seu colega em governos, acompanhei depois com atenção o magnífico percurso que fez em diversos lugares de Estado e no município de Lisboa, sei que é um homem inteligente, capaz e íntegro.
Nunca ouvi António Costa mentir. E, infelizmente, nos últimos anos, vi frequentemente o meu conterrâneo Pedro Passos Coelho dizer uma coisa e fazer outra. Por isso, nunca lhe daria a minha confiança política, além de que faço uma avaliação muito negativa da sua governação. Lamentarei, assim, se o seu mandato vier a ser renovado.
Em abril de 1974, sublevei-me como militar para que o povo pudesse livremente decidir do seu destino. O eleitorado português oferecerá agora a si próprio exatamente aquilo que quiser. E a resposta à pergunta que dá o título à canção de Sérgio Godinho que escolhi para abrir este artigo é, claro, negativa.
*Embaixador