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Há 20 anos, fiz reportagem na primeira sala de chuto da Suíça, em Basileia. Esta cidade, mais pequena e menos populosa do que o Porto, já tinha então duas estruturas daquelas e projetava a terceira, todas no centro da urbe. À porta e à vista de todos, ajuntavam-se toxicodependentes, e o pequeno tráfico, para o consumo, também se fazia ali. No interior, aqueles consumiam em segurança, podiam alimentar-se e ser referenciados para tratamento.
A um responsável da polícia da cidade, pedi um balanço das salas de consumo assistido. Não podia ser senão positivo, respondeu, com justificações práticas: “As pessoas já não encontram seringas nos jardins”; “agora controlamos melhor o tráfico, até ao traficante médio”.
Isto foi num período em que o grande problema se chamava heroína, na Suíça como em Portugal, e levou-me a reconhecer naquele país, que via como conservador, uma faceta progressista e, sobretudo, de grande pragmatismo. Justamente o pragmatismo que precisávamos de ver nos conservadores do Porto, cidade onde moradores e comerciantes se atormentam com o consumo de drogas duras nas ruas, numa variação geográfica que acompanha os humores de traficantes e poderes públicos: a Câmara manda abaixo o Aleixo, o tráfico segue para a Pasteleira; a PSP carrega sobre a Pasteleira, o desassossego distribui-se por Ramalde, Campinas, Francos, Cerco, Sé...…
Enquanto o Mundo mantiver o paradigma proibicionista, o tráfico de drogas continuará a ser demasiado lucrativo para acabar, por mais polícias que o combatam. Logo, não faz sentido que nos limitemos a chamar a polícia, como se tem insistido na Invicta. Além de se continuar a gastar milhões no interminável jogo do gato e do rato, importa atuar minimamente sobre a procura, para a diminuir. E as salas de chuto, podendo tirar consumo da via pública, são um instrumento relativamente barato que também é capaz de servir aquele propósito, se articulado com respostas terapêuticas céleres e eficazes.
Só que, 23 anos depois de ter descriminalizado o consumo de drogas, para substituir a repressão por uma abordagem social e terapêutica (a única lei portuguesa que me lembro de ver elogiada lá fora), Portugal oferece pouco mais salas de consumo vigiado do que uma cidade suíça de 175 mil habitantes tinha há 20 anos: três fixas e uma móvel em Lisboa; uma móvel em Almada e Setúbal; e uma no Porto, desde 2022, a título experimental.
Obviamente, o Porto e o país precisam de estruturas destas, e com retaguarda que garanta uma saída rápida a quem decida tentar livrar-se do vício. Porque, ainda há dois meses, a coordenadora da sala da zona de Alcântara (Lisboa), com 2011 utentes, contava no JN que tinha referenciado 72 para tratamento, mas avisava: “O tempo de espera ronda os quatro meses ou mais”. Para um toxicodependente, é praticamente um apelo à desistência.