A identidade portuguesa ilumina-se numa décima ligação energética adicional, através do Minho e da Galiza. Essa é a boa notícia de quem olha para o debate inflamado sobre a produção, tratamento e transporte da energia, que fez disparar voltímetros e gastou muita da potência discursiva acumulada entre Governo e Oposição.
Corpo do artigo
O PSD, à falta de possibilidade de intervenção decisiva no debate orçamental, resolveu inflamar o gasoduto ibérico, agora também franco: sem a França, estaríamos às escuras neste dossier que se arrasta desde 2014. É precisamente na adesão francesa ao "BarMar", esta nova solução do "corredor de energia verde" por mar, entre Barcelona e Marselha, que reside boa parte da estranheza. Até agora uma força de bloqueio inultrapassável, a França de Macron adere ao plano ibérico com tão aparente ligeireza que dá ideia de ter notas de autor e de interesse. O tão proclamado "interesse comum" permitirá o acesso ao financiamento de fundos europeus, aliviando a factura de 300 milhões de euros previstos na dotação portuguesa para o gasoduto. Se a questão do custo é importante, fundamental será saber o preço a pagar pelo que parece ser uma inversão de estratégia a todo o custo.
A política da terra queimada parece ter uma sequela a gás: esqueçam tudo o que estava previsto. Esta ideia de sequela, por falta de clareza ou informação, foi sendo alimentada pelos diversos quadrantes políticos durante dias e nunca desmentida pelo PS. Há quase uma década em cima da mesa, se fosse intenção dos governos português e espanhol não deixar cair a "MidCat" anteriormente planeada (a travessia energética dos Pirenéus através de duas interligações eléctricas), isso teria ficado claro desde quinta-feira passada, o dia do acordo em Bruxelas. A omissão, que só pode ser, neste caso, sinónimo de desconhecimento, é perturbadora e adensa a teoria de que toda a discussão é mais sobre o que se virá a saber do que sobre o que desconhecemos. E que, francamente, é já muito. Aparentemente, sabe-se agora, o "MidCat" não está em causa.
O que seria um ganho indesmentível, à partida, gera muita contestação. Desde logo, porque a própria utilização de hidrogénio verde está muito pouco estudada e ainda não tem aplicação real na indústria. Enormes são as dúvidas sobre a produção e forma de financiamento produtivo, assim como sobre o tipo de energia utilizado para produzir hidrogénio verde. Depois porque a opção por um país exportador de energia (e não tanto produtor) pode colocar em causa as opções energéticas, inscritas no PRR, de investimento em hidrogénio pelas autarquias. Se o princípio de aumentar opções e interligações é bom conselheiro, sobretudo numa altura de enorme instabilidade no mercado de fornecimento energético (Marrocos e Nigéria, desde logo, à cabeça), nenhuma opção resiste à opacidade. Felizmente, Marcelo já nos disse que está tudo bem.
*Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga ortografia